Sussurros
Em um mundo onde as cidades se erguiam como colmeias de concreto, as ruas eram mais do que meros caminhos. Elas eram organismos vivos, pulsando com uma energia própria. As pessoas diziam que, se você prestasse atenção, poderia ouvir o sussurro das ruas.
Na cidade, as ruas eram estreitas e sinuosas, como veias entupidas. Os prédios se inclinavam uns sobre os outros, criando um dossel sombrio que abafava a luz do sol. Os ambulantes se aglomeravam nas esquinas, vendendo bugigangas e segredos. Os lojistas, com olhos cansados, mantinham suas portas abertas, esperando por clientes que nunca vinham.
A comida de rua era uma dança frenética de sabores e aromas. Barracas improvisadas exalavam o cheiro de especiarias exóticas e frituras gordurosas. As pessoas se amontoavam em torno dos carrinhos, disputando pedaços de kebab ou tigelas de macarrão apimentado. Era como se a própria cidade se alimentasse de suas entranhas.
Mas havia algo mais nas ruas. Algo que não podia ser explicado. Os rumores diziam que, à meia-noite, quando todos estavam dormindo, as ruas ganhavam vida. Os paralelepípedos se moviam, formando padrões estranhos. As sombras se alongavam, como se estivessem sussurrando segredos uns aos outros.
Era nesse momento que os relacionamentos floresciam. Os amantes se encontravam em vielas escuras, trocando juras de amor. Os inimigos se enfrentavam em duelos silenciosos, usando facas afiadas e palavras ainda mais afiadas. Os negócios eram fechados sob a luz fraca dos postes, com apertos de mão e olhares desconfiados.
O burburinho gerado pela língua nos dentes era como uma sinfonia dissonante. As fofocas se espalhavam como fogo, queimando reputações e amizades. Os segredos eram moedas de troca, e todos tinham algo a esconder. A cidade se alimentava dessas histórias, crescendo e se transformando a cada murmúrio.
Assim, a cidade continuava a existir, apesar de tudo. As ruas continuavam a sussurrar, e as pessoas continuavam a viver suas vidas entrelaçadas. Talvez, em meio ao caos e à confusão, houvesse uma beleza estranha naquela dança incessante.
As noites eram diferentes. Quando a lua se erguia, as ruas ganhavam vida de maneira ainda mais intensa. Os paralelepípedos, agora, não apenas se moviam, mas também emitiam um brilho suave, como se estivessem carregando memórias antigas. As sombras dançavam, formando padrões complexos que só os mais atentos conseguiam decifrar.
Havia uma lenda que circulava entre os moradores: aqueles que conseguissem decifrar o sussurro das ruas ganhariam um desejo. Um único desejo, concedido pela própria cidade. Alguns diziam que era apenas uma história para entreter crianças, mas outros acreditavam com fervor.
E foi assim que, uma jovem vendedora de flores, se viu obcecada pelo mistério das ruas. Todas as noites, ela percorria os becos escuros, ouvindo atentamente. Os sussurros eram como uma melodia distorcida, cheia de promessas e segredos. Ela anotava cada palavra, cada som, na esperança de desvendar o enigma.
Um dia, quando a lua estava cheia e as ruas pareciam vibrar com energia, finalmente entendeu. Os paralelepípedos formavam palavras em uma língua antiga, e as sombras se contorciam em símbolos misteriosos. Ela sussurrou seu desejo: saúde para sua mãe doente.
Na manhã seguinte, sua mãe acordou curada. ela não conseguia acreditar. Havia desvendado o sussurro das ruas e conquistado seu desejo. Mas havia um preço. A cidade agora a observava, esperando por outro pedido. E sabia que não podia desperdiçar essa oportunidade.
Assim, todas as noites, continuava a ouvir o sussurro das ruas. Ela ouvia histórias de amor e traição, de riqueza e perda. Ela aprendeu a língua das pedras e das sombras, tornando-se parte da própria cidade. E, à medida que os anos passavam, ela se perguntava: qual seria seu próximo desejo?
A cidade continuava a existir, alimentada pelas histórias e pelos desejos dos que ousavam ouvir. E com os olhos brilhando de mistério, seguia seu caminho pelas ruas, em busca de respostas e de um destino que só ela poderia escolher.
No jardim da vida, florescemos,
Cada pétala uma historia,
Cada raiz uma jornada.
Renato Pittas
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