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Música aos Ouvidos Alheios

Música aos Ouvidos Alheios

O mundo havia se transformado num cenário de tecnologia avassaladora e miséria espiritual. As cidades, em ruínas, eram dominadas por estruturas metálicas que se erguiam como sentinelas, observando silenciosamente o desespero humano. Nas margens do plácido, agora um rio faminto de sonhos perdidos, sussurros adventistas ecoavam sobre uma nova ordem iminente.
Numa metrópole esquecida, a música tornava-se um raro consolo. A festa clandestina, embalada pelo ritmo do rock, vibrava em um subsolo abandonado. As senhas eram sussurradas, dispersas como ilusões nos ventos. O som das guitarras elétricas preenchia o ar, abafando os murmúrios desesperados e enchendo os corações famélicos de uma esperança passageira.
A velha ave, metáfora de uma nação outrora gloriosa, rateava em voos insanos. Lágrimas, desejadas e indesejadas, caíam dos olhos dos presentes, que se perdiam entre acordes e lembranças de um passado analógico, onde o papel de pão guardava os versos polêmicos que agora eram relegados a telas de smartfones.

Em um canto escuro, sob a luz intermitente de um ventilador que gemia um blues melancólico, um jovem observava a cena. A canção era a mesma, mas ele duvidava que fosse no mesmo compasso de antes. Disfarçava o tédio da tarde ao som do mainstream, sentindo-se deslocado em meio ao caos.
Naquela festa, o termo “esquizoides e astronautas” ganhava nova vida. Eram os heróis improváveis dessa distopia: seres que vagavam por mundos internos e externos, lutando contra pressões que poderiam despedaçá-los, tanto metaforicamente quanto literalmente. , Perdido em pensamentos, refletia sobre como a luz desvendava o escuro, clareando os sentidos e revelando verdades que muitos preferiam ignorar.

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De repente, um homem de cabelos grisalhos, com um brilho de insanidade nos olhos, se aproximou. “A verdade é uma canção antiga, rapaz. Mas o compasso… esse sempre muda,” disse ele, com um sorriso enigmático. Ele não sabia o que responder, mas sentiu que aquelas palavras carregavam um peso inesperado.
A festa continuava, espirais excêntricas de prazer adolescente dançavam no ar, ondulando ao som de músicas reescritas com demência e fúria. Percebeu que a história não era linear; ela se desenrolava em ondas, cada uma trazendo novas imagens, novas sensações, novas verdades. Estava disposto a se colocar à disposição da cena, a viver a intriga alvissareira que se convergia ao centro do seu raio de visão.

Enquanto a noite avançava, se perdeu na música, nos murmúrios, nas lágrimas. E, naquele momento de entrega total, compreendeu que, mesmo em um mundo distópico, a música ainda tinha o poder de unir os corações famintos, de alimentar almas perdidas e de reinventar histórias antigas com novos compassos.
Imerso na música e nas palavras enigmáticas do homem de cabelos grisalhos, começou a perceber a verdadeira natureza da festa clandestina. Não era apenas uma escapada hedonista; era um símbolo de resistência contra a opressiva nova ordem que dominava a sociedade. A música, tão antiga quanto a humanidade, era a arma mais poderosa daqueles que se recusavam a ser silenciados.

No centro da festa, uma figura se destacava. Vestida com um traje futurista adornado com luzes pulsantes, uma jovem comandava as pickups, mesclando rock clássico com batidas eletrônicas que ressoavam no peito de cada um. Seus olhos brilhavam com determinação e paixão, tornando-se um farol para os presentes.
Ela conhecia o poder da música e das palavras. Tinha uma visão clara: unir as pessoas através das melodias e dos versos, criando uma força capaz de desafiar o status quo. Sabia que cada nota, cada batida, carregava a memória de uma era que muitos queriam esquecer, mas que ela se recusava a deixar morrer.

Atraído pela energia dela, aproximou-se da cabine de DJ. “Você sente isso, não é?” perguntou, sem desviar os olhos dos controles. “A música é mais do que som. É uma mensagem, uma revolução silenciosa.”

Ele acenou, sentindo-se entendido como nunca antes. “Mas como podemos fazer mais do que apenas sentir? Como podemos agir?”

Ela sorriu, um sorriso cheio de segredos e promessas. “A ação começa com a consciência. E a consciência se espalha através das histórias que contamos, das músicas que cantamos. Cada um aqui tem um papel a desempenhar. Você, eu, todos nós.”
Enquanto falava, a festa parecia se transformar. As luzes pulsavam com mais intensidade, as pessoas dançavam com mais fervor. Era como se a música tivesse despertado algo profundo dentro deles, uma força adormecida pronta para emergir.
De repente, a música parou. Um silêncio pesado caiu sobre a sala, quebrado apenas pela respiração ofegante dos dançarinos. Ela pegou um microfone e, com voz firme, começou a falar.

“Vivemos em um mundo de sombras e mentiras. Mas aqui, nesta sala, encontramos a verdade. A verdade de quem somos, do que podemos ser. A música é nossa arma, nosso grito de liberdade. Juntos, podemos fazer a diferença. Não como indivíduos solitários, mas como uma comunidade unida pela paixão e pela esperança.”

O silêncio deu lugar a um aplauso estrondoso. Ela havia acendido uma chama, ele sentiu essa chama crescer dentro. A partir daquele momento, sabia que não estava sozinho. Que havia outros como ele, dispostos a lutar pela verdade, pela liberdade, pela música.
A festa continuou, mas agora com um novo propósito. Cada batida, cada nota, era um manifesto, uma declaração de resistência. ele se juntou a ela, ajudando-a a misturar as músicas, a criar novos ritmos e melodias que ecoariam além daquela sala, além daquele momento.
Enquanto a noite avançava, a festa se tornava uma celebração não apenas da música, mas da coragem, da unidade, da esperança. E assim, em meio às ruínas de uma sociedade opressiva, surgiu uma nova ordem, não de controle e submissão, mas de liberdade e expressão.

A história, como a música, continuava a se reinventar, a se reescrever, sempre com novos compassos, novas vozes, novos sonhos. Ele, ao lado dela, estavam prontos para escrever seu capítulo nessa sinfonia de revolução e renovação.
Conforme a madrugada avançava, a música se tornava um eco de resistência nas almas daqueles que se reuniam. A energia na sala era palpável, uma mistura de eletricidade e esperança, alimentada pela promessa de um futuro diferente.

Ela, agora mais do que uma DJ, era uma líder. Seus olhos brilhavam com um fervor que contagiava todos ao redor. Ele, ao seu lado, sentia-se parte de algo maior, uma força invisível e invencível. Juntos, criavam sinfonias que transcendiam o tempo, deixando rastros de esperança em cada batida.
A festa atingiu seu clímax com uma música que ela havia composto especialmente para aquela noite. As luzes pulsavam em sincronia com o ritmo, criando um espetáculo de cores e sons. No auge da música, pegou o microfone mais uma vez, mas desta vez, suas palavras eram quase um sussurro.

“Estamos apenas começando,” disse ela. “O verdadeiro poder está em nossos corações, em nossa capacidade de imaginar e criar. Lembrem-se, a verdadeira revolução é silenciosa, sutil, e começa dentro de cada um de nós.”

Com essas palavras, soltou o microfone e a música continuou, agora mais suave, quase um murmúrio. As pessoas dançavam com os olhos fechados, perdidas em suas próprias viagens internas. Ele olhou ao redor, vendo rostos iluminados pela luz suave, cada um refletindo um sonho, uma promessa.
Quando a festa finalmente terminou, o grupo se dispersou, mas algo havia mudado. Eles sabiam que não estavam sozinhos, que havia outros como eles, prontos para desafiar o mundo em ruínas ao seu redor. Eles se despediram com um abraço silencioso, cientes de que aquele era apenas o começo de uma jornada maior.

Enquanto caminhava pelas ruas desertas, sentiu o vento frio da madrugada em seu rosto. As palavras dela ecoavam em sua mente. “O verdadeiro poder está em nossos corações…”
De repente, parou, olhando para o horizonte. A primeira luz do amanhecer começava a despontar, e com ela, uma sensação de renovação. Sentiu-se parte de algo antigo e eterno, algo que transcendia o tempo e o espaço.
Assim, sob o céu da madrugada, sorriu enigmaticamente. A história continuava a se desenrolar em espirais excêntricas e ondas de prazer, reescrita com demência e fúria, sempre evoluindo, sempre crescendo. A música, os murmúrios, as lágrimas, tudo se entrelaçava em uma sinfonia de revolução e esperança.

No fim, a verdadeira mensagem não estava nas palavras ou nas notas, mas no silêncio que as envolvia. E nesse silêncio, encontrou a resposta que sempre procurou: a certeza de que, mesmo em um mundo distópico, a chama da humanidade nunca se apagaria.

Renato Pittas   

Contato:[email protected]

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