Conspiração Andron é Música Para os Olhos
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Há pelo menos 25 anos trabalho diretamente ligado às artes e cultura. E nesse tempo conheci inúmeros artistas de diversas áreas que coloco na seguinte situação: fossem eles americanos ou europeus estariam nas mais altas posições do pódio em suas artes, e decerto seriam conhecidos e aclamados pelo mundo, além de estarem bem ricos.
São casos como Amyr Cantusio Júnior, músico excepcional, compositor, artista plástico entre outras coisas; Rolando Castello Júnior, um dos maiores bateristas do mundo, e que há quase cinquenta anos atua na banda Patrulha do Espaço; Yuri Fuloni, músico que faz um trabalho espetacular, já com dois trabalhos musicais que contam fatos da história do Brasil. Eduardo Schloesser, um artista gráfico genial, que criou a melhor ilustração da vida e obra de Edgar Allan Poe que já vi, incluindo as gringas, e Celso Moraes F., dono de uma escrita impecável, e um traço desenhístico perfeito. Isso apenas para citar os que conheço melhor o trabalho.
Dentre essas pessoas cujos talentos são ecléticos e geniais há outro artista que conheço particularmente bem, e cuja obra sempre alcança alto grau de qualidade. Estou falando do Engenheiro Ferroviário, guitarrista de bandas de Rock como Blues Riders, Delta Crucis e atualmente da “La Societá”, e escritor: Áureo Alessandri Neto.
Já escrevi em outras oportunidades sobre o trabalho musical de Áureo, mas o assunto agora é um romance de ficção científica que ele lançou em 2017: “Conspiração Andron”. Sim, eu disse que um escritor brasileiro publicou um livro de ficção-científica. E antes que eu continue me responda: quantos livros de autores nacionais desse gênero, mesmo que seja fanático pelo gênero, já leu? Espero a resposta até o próximo ano, embora tenha uma “pequena” ideia da sua resposta.
Logo a partir do próprio prefácio uma surpresa, pois ao contrário da maioria que pede a algum amigo ou pago alguém renomado para escrever, na certeza de que a obra será louvada e elogiada (afinal quem escreveria um prefácio criticando?), o próprio autor toma para si próprio a tarefa, no que ele mesmo chama de “abrir mão de eventuais elogios”. Ali, entre outras coisas escreve sobre o gênero da ficção científica não ser muito apreciado no Brasil, mas deduz que de fato o problema não é o gênero, mas sim o fato de que no Brasil lê-se muito pouco. Ali também o autor revela que sua paixão pelo Rock e pela ficção científica, são as coisas que o motivam a continuar fazendo, mesmo com a falta de interesse da imensa maioria.
“Conspiração Andron” é um romance que tem o gênero Sci-Fi como principal, mas vai muito além, agregando em sua intrincada trama vários outros gêneros literários misturados, como drama, suspense e até humor. O enredo passeia por teorias da conspiração, segredos governamentais no âmbito militar, espionagem e geopolítica. Além disso, a história contém muito do chamado espírito de aventura, com surpresas e reviravoltas e toques de mistério, forçando o leitor a prestar atenção aos pequenos detalhes, como nas obras de Agatha Christie. E o autor faz isso de uma força simples, com capítulos propositalmente bem curtos, que instigam o leitor a querer saber mais e mais.
Um detalhe curioso é sobre as citações presentes no decorrer da história, algumas delas feitas em latim, como a frase “Fiat Lux Erga Omnes” (Que haja luz sobre todos), repetida mais de uma vez no decorrer do livro. Aliás, foi do latim de onde saiu o título do livro: “Andron”, que significa “corredor” ou passagem, na antiga língua falada na região do Lácio (chamado de latium, daí o seu nome), centrada na cidade de Roma, no Império Romano. O autor parece mesmo gostar muito dessa língua, pois seu último trabalho musical também tem o nome em latim “Gladii veteres nova bela.” (Velhas espadas para novas guerras).
Outro ponto que chama a atenção na obra é que, a exemplo de autores que o próprio Áureo reconhece no prefácio como o espanhol JJ Benítez, autor da série “Cavalo de Tróia”, a história é contada como se fosse realidade, fazendo que o leitor imagine que o que está lendo não é uma mera história inventada, mas um relato real. Reforçando isso, várias narrativas usam referências científicas corretas, o que confere credibilidade e força o leitor a acreditar que não se trata de uma fantasia e é induzido a crer no que lê, como se fosse realidade. Um ponto importante nesse quesito é a linguagem acessível que o autor usa para descrever detalhes técnicos, e apesar de usar termos científicos, ele o faz sem rebuscamento, que em momento algum se torna enfadonha. Ou seja, Áureo escreve de uma forma muito elegante, mas acessível ao grande público.
Logo na estruturação do livro vemos a intenção de localizar o leitor, contextualizando a trama num tempo que pode ser qualquer um, o que tem relação com o tema principal, a questão do “espaço-tempo”. Logo no início, como numa tela de um filme, o autor coloca: “Num futuro não muito distante”, uma frase clássica dos filmes de ficção-científica. E depois fica brincando nesse jogo temporal, com letreiros enormes: “Doze anos antes”, “Oito anos depois”. A linguagem cinematográfica de “Conspiração Andron” já fica muito clara nisso.
Dentro dessa proposta de tentar passar a ideia de que se trata de uma história real, Áureo usa de um estratagema comum quando se trata de textos em que os autores querem passar a mesma condição: os nomes são todos da cultura anglo-saxônica: Paul Judd, Robert Henderson, Archibald Taylor, Christine Murray, etc. e as localidades sempre nos Estados Unidos da América ou nalgum lugar da Europa. Muita gente critica isso, nos escritores brasileiros, mas quem acreditaria numa história com pretensões a passar verossimilhança, e ainda mais de ficção científica, com personagens chamados Paulo Fontes, Roberto da Silva, Arquibaldo Silva e Cristina Souza? E ainda mais se o laboratório fosse localizado no subsolo da Caatinga em algum estado do Nordeste brasileiro.
No desenrolar da história há inúmeras referências, termos científicos, descrição de instalações e até discursos inteiros falando de coisas como Bóson de Higgs, a chamada “Partícula de Deus”, espaço-tempo”, com o autor demonstrando seu vasto conhecimento sobre os assuntos, e assim garantindo ainda mais a confiança do leitor na veracidade dos fatos narrados. E não pense que essas partes são cansativas, porque Áureo as escreve com leveza, o que faz com que até um ignorante científico feito eu siga a leitura sem achar chato.
A história em si, gira em torno do “Projeto Andron”, um experimento científico desenvolvido por renomados físicos em torno de um equipamento capaz de abrir um portal através do tempo & espaço baseado na teoria de Einstein, que faria com que pessoas e/ou objetos possam ser transportados de um lugar para o outro numa de segundo, ou seja, uma possibilidade que poderia revolucionar a evolução da humanidade, desde que não fosse usurpada por interesses escusos. Obviamente a cúpula governamental e militar toma a ideia para si e deseja projetar seu uso em fins bélicos, assumindo o controle total de seu desenvolvimento. Na outra ponta, forças opositoras querem apoderar-se do experimento. E é nesse cenário que a trama se desenvolve, envolvendo personagens que lidam diretamente com o projeto, instalado secretamente em uma localidade remota, no deserto do Novo México, Estados Unidos.
Uma das coisas que me chamou mais a atenção foi a construção e desenvolvimento dos personagens, retratando-os em seus aspectos psicológicos mais profundos, sem cair na pieguice, mas de forma mais profunda que a maioria das obras deste gênero. É interessante perceber como o autor retrata cientistas, normalmente mostrados como seres fortes e infalíveis, como pessoas como outras quaisquer, com sérios dramas pessoais e conflitos existenciais.
Dentro disso, e entremeado à trama, há muitos conflitos humanos retratados, como o cientista Paul Judd, sobrinho de um agraciado com o prêmio Nobel de Física, Dr. Robert Henderson, que leva adiante o legado de seu tio, em torno de tal teoria que ele desenvolvera. No entanto, Paul é inicialmente tratado como um problema, especialmente pelo diretor do Instituto responsável pelo projeto Archibald Taylor. Ao tratar da trajetória desse personagem o faz com leveza e humanidade, sem maniqueísmos, sem colocá-lo como herói ou vilão, e mesmo quando coloca aspectos mais profundos, mantém distância necessária para que o leitor faça seu próprio julgamento.
Uma percepção minha, particular, é que Áureo Alessandri Neto, que é também um músico extremamente competente, trata das suas frases, parágrafos e capítulos, como as notas dedilhadas de sua guitarra, fazendo com que tenhamos a sensação de estar diante de uma peça musical. Sobre isso me vem à mente, uma frase do genial Frank Zappa: “Minha música é como um cinema para os ouvidos”. Neste caso, de “Conspiração Andron”, é música para os olhos.
A primeira coisa que ocorre, ao terminar a leitura do livro é que de fato acabamos de assistir a um filme, dada a forma da narrativa e das imagens que o autor vai desenho dentro da nossa cabeça. Então é claro que a gente pensa: isso tinha que virar um filme. Nas mãos de um bom diretor seria um grande filme, ali nos moldes de obras como as de Christopher Nolan. Não sei dizer se Áureo o projetou com tal intenção deliberadamente, mas a forma como o livro foi escrito, suas divisões simples, narrativa com reviravoltas e descrição de cenários detalhados, me sugerem que sim.
Nesse ponto, uma coisa que acredito que seja um ponto desfavorável, além de ser um autor brasileiro, e nesse assunto de ciência, literatura e especialmente no gênero ficção-científica, sermos considerados nulidades, é a língua. E penso que se fosse esse livro vertido e publicado em inglês, talvez aumentassem as chances de exposição internacional. É apenas uma ideia, e não sei da relação do autor com a Editora Chiado, mas que isso poderia render outros bons frutos, acredito que sim.
Para finalizar, o projeto gráfico do livro é muito caprichado, com uma arte de capa, feita por Prasad Silva, onde se vê uma bela ilustração que passa a ideia do espaço-tempo, em tons sóbrios onde predominam o verde e o azul, muito bonitos. O layout gráfico ficou a cargo de Vera Sousa, a edição de Vitória Scritori, e a revisão feita pelo próprio autor. Quanto à impressão em si, um quesito que poucos dão valor, mas é algo importante, a Editora Chiado acertou na mosca com isso, com o livro sendo impresso em papel creme, que tem como grande vantagem não cansar os olhos após uma longa leitura, proporcionando uma experiência de leitura confortável, além de dar sofisticação para o livro.
Em resumo: “Conspiração Andron” é uma obra de ficção completa, capaz de prender a atenção do leitor, do início ao final. De leitura deliciosa, límpida, clara, é um daqueles livros que a gente começa a ler, e quando vê se foi o dia e se foi à noite, e ainda estamos a ler. Não se consegue parar, antes de terminar.
Para concluir, apenas digo que sonho com um dia, que decerto não viverei, quando artistas como Áureo Alessandri Neto, Amyr Cantusio Junior, Yuri Fuloni, Rolando Castello Júnior, Eduardo Schloesser, Celso Moraes e tantos outros que ainda não conheci, tenham suas obras reconhecidas, senão dentro deste país que enterra seus melhores, ao menos em outras terras, “onde as aves que aqui gorjeiam e não gorjeiam como lá”, e onde a valorização às artes é questão de honra, sejam alavancados ao devido lugar que lhes é merecido: no topo.
24/04/2024
Fonte : Barata Verso
Autor : Barata Cichetto
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