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A Dobra do Horizonte

A Dobra do Horizonte

Numa pequena cidade, num lugar onde as colinas ondulavam como mantas sob o vento constante, havia uma torre esquecida, coberta por trepadeiras e musgo. Para os habitantes locais, a torre era apenas um vestígio de uma era antiga, onde a magia e o mundo real se entrelaçavam de maneira misteriosa. Poucos se aventuravam perto, exceto por uma jovem, cujo espírito aventureiro sempre a conduzia para além dos limites conhecidos.

Certa manhã, ao explorar a floresta próxima, encontrou um pergaminho antigo, enfiado nas raízes retorcidas de uma árvore velha. As palavras escritas em uma língua que ela mal entendia falavam de uma jornada pela Dobra do Horizonte — um lugar onde o céu e a terra se encontravam, e onde as contradições do mundo ganhavam vida própria.

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Curiosa, ela decidiu seguir as indicações do pergaminho, que a levariam até a torre. No topo da estrutura abandonada, Eencontrou um espelho circular, pendurado no teto por correntes enferrujadas. Ao se aproximar, o espelho começou a brilhar, mostrando não o reflexo dela, mas uma versão distorcida da realidade, onde o céu parecia abaixo de seus pés e o solo, acima de sua cabeça.

Determinada a descobrir mais, ela tocou o espelho, sendo imediatamente sugada por ele. Quando abriu os olhos, estava em um mundo novo, onde as leis do tempo e espaço eram diferentes. O que era claro durante o dia se tornava nebuloso à noite, e as fronteiras entre o real e o ilusório eram tênues.

Sua primeira prova foi encontrar um caminho em uma floresta de árvores cujas folhas murmuravam segredos e contradições. Elas contavam histórias de seres que existiam e não existiam ao mesmo tempo, criaturas que eram tanto amigos quanto inimigos. Ela percebeu que, para continuar, precisava aceitar essas contradições sem tentar resolvê-las imediatamente.

Na sua jornada, encontrou um sábio, metade homem, metade coruja, que vivia em uma caverna iluminada por cristais que mudavam de cor conforme seus pensamentos se agitavam. Ele ensinou a ela que a Dobra do Horizonte não era um lugar para se compreender com a mente racional, mas sim um território a ser percorrido com o coração aberto às incertezas e paradoxos.
Ao longo de sua viagem, enfrentou desafios que testaram sua coragem e resiliência. Um rio cujas águas fluíam para cima, levando-a a questionar o que realmente era a correnteza; um campo de flores que se transformavam em espinhos ao serem colhidas, simbolizando as belezas e perigos que coexistem na vida.
A cada página de sua aventura, Se deu conta de que o mundo ao qual ela estava acostumada não era menos misterioso que a Dobra do Horizonte. As contradições que ela encontrava na vida diária — o desejo por liberdade e a necessidade de segurança, a busca por respostas claras em meio a situações nebulosas — todas elas eram reflexos das mesmas contradições que governavam aquele mundo mágico.

No final, quando encontrou o portal que a levaria de volta para casa, epercebeu que as respostas que buscava não eram tão importantes quanto as perguntas que aprendera a fazer. Ao retornar à sua cidade, Trouxe consigo não um tesouro tangível, mas uma nova visão do mundo: a sabedoria de que o caminho, com todas as suas incertezas, é o verdadeiro mestre.

A Dobra do Horizonte – Parte II

De volta, sentia que o mundo ao seu redor havia mudado, embora soubesse que era ela quem havia mudado profundamente. As ruas da cidade, antes familiares, agora pareciam esconder segredos nas sombras. O mercado, os campos e até mesmo os rostos conhecidos dos moradores carregavam um novo mistério, como se a Dobra do Horizonte ainda sussurrasse em seus ouvidos.

Mas a vida não era fácil. A cidade estava à beira de uma crise. Os campos que antes eram férteis, começaram a secar. As colheitas diminuíam, e a água dos rios estava ficando escassa. Os anciãos falavam de um tempo em que a cidade prosperava graças a uma fonte de água mágica, protegida por um antigo pacto com as forças da natureza. No entanto, ninguém sabia onde essa fonte estava localizada, ou se ela ainda existia.
As pessoas começaram a procurar respostas nos livros antigos e nos conselhos dos mais velhos, mas as soluções apresentadas eram contraditórias. Alguns acreditavam que a resposta estava no passado, em antigas tradições esquecidas, enquanto outros defendiam que era preciso inovar e olhar para o futuro. O que todos compartilhavam era a incerteza e o medo de que Norvella estivesse destinada a murchar.

Ela, agora mais ciente das complexidades do mundo, decidiu que deveria continuar sua busca por respostas. Sabia que as respostas fáceis eram ilusões e que, muitas vezes, as verdades mais profundas só se revelavam através da persistência e da disposição para enfrentar o desconhecido.
Foi então que uma noite, em um sonho, a Dobra do Horizonte voltou a chamá-la. O espelho na torre, que ela havia deixado para trás, aparecia brilhando como nunca antes. Sabia que precisaria retornar para aquele mundo, não para escapar dos problemas de sua cidade, mas para encontrar algo que pudesse ajudar a cidade a superar suas dificuldades.

Preparou-se e voltou à torre. Ao tocar novamente o espelho, foi sugada de volta à Dobra do Horizonte, mas desta vez o lugar parecia diferente. As cores eram mais vibrantes, e o ar, mais carregado de energia. Ela sabia que o tempo estava correndo.
Caminhou por um vale onde as montanhas se moviam lentamente como gigantes adormecidos, e os rios cantavam canções que ela não entendia. Seu destino era a Floresta das Sombras Opostas, um lugar onde a luz e a escuridão se misturavam em padrões inconstantes. Diziam que ali se encontrava a Fonte da Vida Dual, cuja água podia tanto curar como destruir, dependendo de como fosse utilizada.

No coração da floresta, ela encontrou a fonte, uma nascente que jorrava água cristalina e negra ao mesmo tempo. O guardião da fonte, um ser que mudava de forma a cada palavra que pronunciava, explicou a Elisa que a água era o reflexo do que existia no coração de quem a bebesse. Para que ela pudesse ajudar sua cidade, precisava compreender as contradições dentro de si mesma e aceitar que tanto o bem quanto o mal, a esperança e o desespero, faziam parte do todo.

Tomou um gole da água, sentindo um turbilhão de emoções e memórias. Em sua mente, ela viua cidade, seus campos, seus rios, e as pessoas que ali viviam. Viu suas alegrias e suas dores, seus triunfos e seus fracassos. Compreendeu que a fonte não resolveria os problemas da cidade por si só, mas que ela podia trazer de volta a sabedoria necessária para que as pessoas encontrassem seu próprio equilíbrio.

Quando retornou para casa, levou consigo uma pequena jarra com a água da fonte. Não a usou de imediato, mas ao invés disso, começou a trabalhar para unir as pessoas de sua cidade. A água serviria como um lembrete, um símbolo das contradições que todos carregavam dentro de si, e da necessidade de encontrar harmonia entre elas.
Com o tempo, a cidade começou a se recuperar. Os habitantes aprenderam a lidar com as incertezas e as dificuldades, aceitando que as respostas para seus problemas não viriam de um único lugar ou de uma única maneira. A água da Fonte da Vida Dual nunca precisou ser usada; sua presença foi suficiente para inspirar a mudança.
Ela continuou sua jornada pela vida, sabendo que o caminho à frente seria cheio de desafios e contradições. Mas agora, sabia que isso fazia parte da aventura de viver em um mundo complexo e misterioso.

A Dobra do Horizonte – Parte III

Os anos passaram, e a cidade floresceu sob a liderança silenciosa dela, que nunca se apresentou como líder, mas cujo exemplo e sabedoria guiaram a todos. A cidade se transformou em um lugar onde as diferenças eram valorizadas e onde o diálogo se tornou a base para resolver conflitos. As águas da Fonte da Vida Dual, agora um mito entre os habitantes, simbolizavam a dualidade presente em cada ser humano, lembrando a todos da importância de aceitar as contradições da vida.
No entanto, sabia que sua jornada ainda não estava completa. A Dobra do Horizonte havia lhe mostrado apenas parte da verdade, e sentia que havia mais a aprender. Em uma noite tranquila, enquanto observava as estrelas no céu, ouviu um chamado suave, quase inaudível, vindo do fundo de sua alma. Era o espelho na torre, que mais uma vez brilhava, convidando-a para um último encontro.
Subiu a colina mais uma vez, com o coração calmo, mas determinado. Quando tocou o espelho, foi novamente transportada para aquele mundo entre mundos, onde as regras da realidade pareciam se dobrar e se esticar. Desta vez, a Dobra do Horizonte não era apenas um lugar de mistério, mas também de clareza. Ela encontrou-se em um vasto deserto dourado, onde o sol parecia nunca se pôr e as sombras das dunas formavam figuras dançantes.

No centro desse deserto, encontrou uma figura solitária, um reflexo dela mesma, mas mais velha, com marcas de sabedoria e cansaço no rosto. A figura sorriu e disse:

“Você percorreu um longo caminho, e aprendeu muito. Mas há uma última lição a ser aprendida: aceitar que nem todas as respostas serão encontradas, e que algumas coisas devem permanecer um mistério. Não porque são impossíveis de entender, mas porque o mistério faz parte da beleza da vida. Há uma força em continuar a buscar, mesmo sabendo que o fim pode nunca ser alcançado.”

Ela compreendeu que a Dobra do Horizonte sempre havia sido uma parte dela, uma manifestação de sua própria busca por entendimento em um mundo complexo. O reflexo estendeu a mão, e a tocou, sentindo uma paz profunda e silenciosa invadir seu ser. Sabia que sua jornada estava chegando ao fim, mas que o caminho ainda continuaria, em outro nível, em outra forma.
Quando abriu os olhos novamente, estava de volta à torre, mas desta vez o espelho estava apagado, como se sua função tivesse sido cumprida. Desceu a colina com um sorriso tranquilo. Havia encontrado não todas as respostas, mas a aceitação da incerteza, da complexidade e do mistério que formavam a teia da existência.

A cidade prosperou por muitas gerações, e as histórias dela e sua jornada pela Dobra do Horizonte se tornaram lendas passadas de pai para filho. A cidade continuou a crescer, enfrentando seus desafios com a mesma sabedoria e equilíbrio que ela havia trazido de suas aventuras.

Quanto a ela viveu uma vida longa e plena, cercada por amigos e familiares, mas sempre com um olhar distante, como se ainda enxergasse além do horizonte, nas dobras e curvas que moldavam o tecido do universo. E quando finalmente chegou sua hora de partir, o fez com a mesma serenidade que sempre teve, sabendo que sua jornada não havia terminado, mas apenas se transformado em uma nova aventura, além das estrelas e das dunas douradas.

Renato Pittas   

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