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Somos Vítimas de Ledos Enganos

Somos Vítimas de Ledos Enganos

Acreditamos, com convicção, que sabemos para onde estamos indo. A certeza se veste de traje elegante, e os planos fluem como água cristalina por entre as fissuras da rotina. Vociferamos nossa sabedoria aos quatro ventos, certos de que o caminho está traçado, de que dominamos todas as variáveis, de que o erro é uma impossibilidade distante.

Mas há sempre uma sutil parte de nós que se contradiz. A voz baixa, quase inaudível, que se esconde atrás dos aplausos da nossa segurança. Ela nos lembra, silenciosa, de que somos humanos, e o erro nos acompanha de perto, mesmo quando não o vemos. Ainda assim, continuamos. Persistimos nas ilusões que criamos, como se a verdade fosse um desconforto que preferimos ignorar. Alimentamos falsas expectativas, construímos castelos de areia à beira do mar, cegos para a maré que inevitavelmente virá.

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E aí chega a ansiedade, neurótica e descontrolada, pelo que ainda não aconteceu, mas que já fantasiamos. A percepção do presente se esvai, deixando espaço para o futuro incerto e, paradoxalmente, para a amargura do passado. O que nos cerca se desfaz diante da projeção emocional que damos ao outro, esperando que nos entendam, que nos perdoem, que compartilhem dos mesmos erros sem apontá-los.

E quando o ledo engano finalmente se revela, como um espelho que reflete nossas falhas, há sempre uma desculpa pronta, um álibi cínico para justificar. Somos mestres em desculpar-nos com leveza, como se o erro fosse uma sombra passageira e não um reflexo do que negamos em nós mesmos. Assim, voltamos ao ponto de partida, disfarçando com um sorriso aquilo que preferimos não enxergar, na esperança de que o próximo engano não nos cause tanta dor.

Mas a verdade, sempre à espreita, nos aguarda.

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Somos Vítimas de Ledos Enganos

O céu metálico se estendia como uma cúpula silenciosa sobre a cidade. As antenas de rádio-relógios e os cabos suspensos pareciam esticar até o horizonte, onde naves prateadas deslizavam com suavidade pela atmosfera rarefeita. O progresso tecnológico havia prometido um futuro brilhante, e todos acreditavam estar no controle. Os cálculos eram precisos, as previsões seguras. Nada poderia dar errado.

O cientista-chefe da Estação Orbital, ajustava seus óculos espessos enquanto revisava os planos de lançamento da missão. A humanidade estava prestes a colonizar Marte, e ele sentia o peso da responsabilidade sobre seus ombros. Estava certo de uma coisa: todo o projeto estava absolutamente perfeito. Os cálculos orbitais, a pressão nas cápsulas, o combustível sintético. Um erro era inimaginável.

Na sala de controle, todos vestiam seus trajes impecáveis, esbanjando confiança. O ambiente era permeado por um otimismo quase palpável, como se o destino estivesse selado. O capitão liderava a tripulação com a mesma certeza estampada no olhar. “Marte será nosso”, dizia, sem hesitação.

Porém, longe dos monitores de controle e dos diálogos altivos, havia uma pequena inquietação dentro do cientista. Algo que ele ignorava, uma sutil voz de dúvida que aparecia entre as noites de insônia. Sabia que havia testado todos os parâmetros, que nada havia escapado. Mas, ainda assim, essa sombra persistia, como se o universo tivesse uma carta na manga, um detalhe oculto.

“Dr., está tudo pronto?” A voz metálica da intercomunicação ressoou pela sala. Ele olhou para os diagramas uma última vez, os números tão perfeitos quanto poderiam ser. “Sim, podemos proceder.”

O lançamento ocorreu conforme o planejado. A nave atravessou a estratosfera com elegância, e os rádios na Terra transmitiam notícias de sucesso. Os jornais noticiavam: “A humanidade adentra a Era Marciana!”

Mas, a cerca de 250 milhas acima da superfície, no vazio profundo do espaço, algo começou a falhar. Primeiro foi o monitor de controle atmosférico, depois o giroscópio que perdeu sua calibragem por uma fração de segundo. o Dr. viu, em tempo real, a desintegração metódica de tudo o que ele acreditava ser perfeito. Um erro nos cálculos gravitacionais, uma mínima variação na pressão que não havia sido prevista, desdobrando-se como uma avalanche invisível.

Enquanto as sirenes soavam e os controladores gritavam instruções confusas,  percebeu: havia sido vítima de um ledo engano. Ele, como todos, confiara na ilusão de que o domínio absoluto sobre as leis da física era possível. Que a natureza poderia ser completamente subjulgada pelo intelecto humano.

Dentro da nave, o capitão, que momentos antes sorria convicto, agora flutuava sem direção no caos crescente. A comunicação falhou, os sistemas entraram em colapso, e o sonho de Marte se desfez. Eles estavam à deriva no abismo do desconhecido.

Na estação orbital, o silêncio tomou conta da sala de controle. Ninguém sabia o que dizer. O Dr., por fim, encarou a realidade. Não eram apenas máquinas ou números que haviam falhado. Era a própria crença no infalível, a arrogância de achar que os enganos eram impossíveis, que o erro era um conceito remoto.

A missão estava perdida, e com ela, a ilusão de que o futuro era uma linha reta de sucessos. A verdade, sempre à espreita, aguardava seu momento para expor as fragilidades ocultas de todos os planos brilhantes.

Na vastidão do espaço, onde não há lugar para desculpas, o ledo engano revela suas verdadeiras consequências.

O silêncio que tomou conta da Estação Orbital parecia se estender por toda a galáxia. Ele, parado diante do painel de controle, sentiu o peso da realidade como nunca antes. Observava as últimas transmissões da nave no monitor, uma série de ruídos estáticos que mais pareciam sussurros de um fantasma. A tripulação, que outrora era símbolo de esperança e conquista, agora vagava pelo espaço, prisioneira de sua própria confiança desmedida.

Sabia que não havia mais nada a ser feito. Todas as tentativas de comunicação com a nave haviam falhado, e os técnicos da Terra já começavam a especular sobre as causas da tragédia. Cada um tinha sua teoria – um defeito no metal das cápsulas, uma falha no software, um micro impacto de detritos espaciais. Mas, no fundo, Sabia a verdade: não era um erro técnico, mas um erro humano.

Não conseguia escapar da sensação de que aquilo era, em parte, culpa sua. Desde o início, ele alimentara a ilusão de que tudo estava sob controle. Que os cálculos eram perfeitos, que a missão era inevitável. Desconsiderou as pequenas dúvidas que se escondiam nas entrelinhas de suas fórmulas, empurrando-as para o fundo de sua mente como insignificantes. Agora, aquelas mesmas dúvidas o encaravam, rindo silenciosamente.

Enquanto refletia, uma estranha ideia começou a se formar em sua mente, como uma faísca que saltava entre os fios desencapados de sua racionalidade. “E se não fosse apenas um erro humano? E se houvesse algo mais, algo além da nossa compreensão, que escapava a todos os cálculos e previsões?” O espaço, afinal, era uma vastidão desconhecida, com forças que a humanidade mal começava a entender.

Uma sensação de desespero misturada com uma curiosidade incômoda tomou conta dele. Se lembrou de lendas antigas, contos de marinheiros que acreditavam que o mar tinha vontade própria, que dragava para as profundezas aqueles que o desafiavam. Talvez o cosmos tivesse o mesmo caráter traiçoeiro. Talvez o espaço também tivesse seus próprios segredos, leis que não podiam ser capturadas por fórmulas matemáticas.

De repente, o monitor que exibia estática se iluminou, emitindo um brilho pálido. Um ruído irregular, como um murmúrio distante, cortou o silêncio. Os olhos dele se arregalaram. Sabia que toda a comunicação estava cortada, mas, por um instante, parecia que a nave tentava se conectar novamente. A tela piscou, projetando imagens distorcidas de dentro da cápsula.

Ali estavam eles – o capitão e sua tripulação – flutuando no vazio. Mas algo estava errado. Seus movimentos eram lentos demais, como se o tempo ao redor deles tivesse desacelerado. E, no fundo, na escuridão do espaço atrás deles, uma silhueta indistinta parecia se mover. Não era uma falha no monitor. Algo estava lá, observando, esperando.

Ele mal podia acreditar no que via. A imagem desapareceu tão rapidamente quanto surgiu, deixando apenas o chiado familiar da estática. O que era aquilo? Uma manifestação da própria vastidão cósmica? Ou apenas mais um engano, uma falha no sistema?

Mas, naquele momento, uma certeza o dominou: a humanidade, com todo seu conhecimento, havia subestimado o universo. Não era apenas a física, os cálculos ou as equações que estavam em jogo. Algo maior, algo inexplicável, pairava nas profundezas do espaço, e nós, em nossa arrogância, éramos vítimas de nossos próprios enganos.

Afastou-se lentamente da tela, a mente fervilhando com perguntas sem resposta. Talvez fosse o início de uma nova era, onde a ciência precisaria se curvar ao mistério, onde os enganos, por mais ledo que parecessem, revelariam algo muito mais profundo e incompreensível. Sabia que não havia volta. A verdade que sempre estivera à espreita finalmente se revelava: o universo tinha seus próprios planos, e o homem, por mais que tentasse, nunca teria controle absoluto sobre eles.

E, parado diante do painel de controle, sentiu o frio do espaço invadir sua alma. A imagem distorcida da tripulação da nave, a presença enigmática na escuridão, tudo isso confirmava o que ele temia: a ilusão de controle que ele e sua equipe haviam cultivado ao longo dos anos era apenas isso, uma ilusão. A arrogância de pensar que os mistérios do universo poderiam ser facilmente domados por equações e previsões.

Lá fora, nas profundezas do cosmos, havia forças além da compreensão humana. Não eram apenas erros técnicos, falhas nos sistemas ou variáveis não calculadas. Havia algo maior, algo intangível, que escapava completamente ao entendimento racional. A humanidade, por mais brilhante que fosse sua tecnologia, era apenas uma criança brincando com as forças de um universo vasto e misterioso, que não se revelava tão facilmente.

Com o coração pesado, desligou o monitor. Sabia que jamais a encontrariam, nem obteriam explicações sobre o que realmente acontecera. A nave e sua tripulação, vítimas de seus próprios enganos e da vastidão incompreensível, agora faziam parte do mistério eterno do espaço. O silêncio na sala de controle era absoluto, mas dentro dele, uma nova percepção começava a se formar.

A humanidade, por mais que tentasse, jamais estaria completamente à altura do universo. Não se tratava de uma falha técnica, mas de um ledo engano fundamental: acreditar que o cosmos se dobraria à vontade humana, quando, na verdade, era o homem que sempre fora uma peça minúscula em um jogo muito maior.

Suspirou, aceitando finalmente o que sempre soubera, mas nunca quis admitir: o desconhecido é mais vasto do que qualquer ciência poderia medir. E nós, vítimas de nossos próprios enganos, continuaríamos navegando em sua imensidão, esperando por respostas que talvez nunca viessem.

Naquele instante, enquanto ele olhava pela janela da estação, viu as estrelas cintilarem com uma intensidade nova, quase como se estivessem sorrindo, cientes de um segredo antigo. Percebeu, com um misto de assombro e resignação, que talvez o mistério fosse parte essencial da jornada.

Assim, no silêncio absoluto do espaço, aceitou que alguns enganos nunca seriam corrigidos – e que, no fundo, isso era parte da condição humana.

Crie uma imagem no estilo surrealista, em estética de filmes de ficção cientifica dos anos 50. Use técnicas como chiaroscuro e uma paleta de cores quentes, para:

O céu metálico se estendia como uma cúpula silenciosa sobre a cidade. As antenas de rádio-relógios e os cabos suspensos pareciam esticar até o horizonte, onde naves prateadas deslizavam com suavidade pela atmosfera rarefeita. O progresso tecnológico havia prometido um futuro brilhante, e todos acreditavam estar no controle. Os cálculos eram precisos, as previsões seguras. Nada poderia dar errado.

Renato Pittas   

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