Entrevista com a Finita, uma das grandes revelações do Metal Extremo no Brasil

Em entrevista, conversamos com Bruno Portela, guitarrista e principal compositor da Finita

Entrevista com a Finita, uma das grandes revelações do Metal Extremo no Brasil
Entrevista com a Finita, uma das grandes revelações do Metal Extremo no Brasil (Foto: Reprodução)

Ao longo dos anos, a Finita vem consolidando seu nome como uma das maiores forças do Metal Extremo no Brasil. Esse reconhecimento se deve, sobretudo, à ousadia da banda em oferecer algo verdadeiramente singular: performances ao vivo que se transformam em autênticos espetáculos teatrais e composições que entrelaçam, com maestria, elementos do Metal Extremo, do Metal Sinfônico e do Metal Gótico. Em entrevista, conversamos com Bruno Portela, guitarrista e principal compositor da Finita, que compartilhou conosco detalhes sobre a trajetória da banda, o lançamento do álbum "Children of the Abyss" e os próximos passos desse ambicioso projeto. Confira:

Rádio AS Brazil: Antes de mais nada, agradecemos pela gentileza em conversar com a equipe da Rádio AS Brazil. Vocês acabam de lançar o álbum "Children of the Abyss", uma obra densa e repleta de nuances filosóficas. Como tem sido a recepção do público e da crítica até agora? E como foi o processo de dar vida a um disco tão complexo?

Bruno Portela: Salve! Nós é que agradecemos pelo convite e pela acolhida da Rádio A.S. Brazil. É uma alegria estar aqui. O Children of the Abyss realmente é uma obra densa, carregada de filosofia e de reflexões — algo que já buscávamos em trabalhos anteriores, mas que agora aparece de forma mais madura e intensa, fruto desses 15 anos de caminhada da banda. Sempre procuramos explorar aquilo que existe de obscuro na natureza humana — e também fora dela. A recepção tem sido maravilhosa. Estamos muito felizes com o retorno do público e com as críticas extremamente positivas que têm surgido, o que nos deixa ainda mais animados para esse novo ciclo. Sobre o processo de dar vida a um disco tão complexo: tudo começou ainda em 2023, quando o Thiago Bianchi e o Estúdio Fusão entraram em contato conosco propondo trabalharmos juntos. Nós já tínhamos algumas composições e a base conceitual delineada, então o encontro foi muito natural. A nossa forma de criar é sempre música à música, com muito cuidado e dedicação. Cada ideia foi sendo lapidada em diálogo com o Thiago, que nos enviava sugestões durante a pré-produção. Em janeiro passamos uma semana em São Paulo, hospedados no Estúdio Fusão, onde fomos recebidos de forma incrível. Foi um ambiente fértil, que permitiu que tudo fluísse naturalmente — um processo intenso, mas também muito prazeroso.

Rádio AS Brazil: As músicas da Finita carregam uma forte identidade conceitual e parecem dialogar entre si de maneira profunda. Quais são os principais temas e reflexões que vocês buscam explorar através das composições?

Bruno Portela: Pergunta fascinante. Sim, nossas músicas carregam uma identidade conceitual muito forte e realmente dialogam entre si. A nossa composição nasce de reflexões filosóficas e de questões que nos incomodam profundamente. Para nós, a arte não pode ser uma casca vazia ou superficial — ela precisa ser visceral. Por isso, tratamos de temáticas igualmente intensas: a morte, o suicídio, o medo, o oculto, as questões existenciais mais profundas. Ao mesmo tempo, existe uma narrativa literária que atravessa tudo isso e nos ajuda a dar forma a essas reflexões por meio de arquétipos. Essa narrativa maior começa lá no Lie, com a figura de Lúcifer — sua queda, sua ascensão, sua caminhada na Terra — e a forma como ele, sendo um personagem tão emblemático, dialoga com todos esses dilemas humanos. Então, cada música traz sua reflexão individual e seu tema específico, mas todas estão interligadas dentro dessa rede conceitual mais ampla, que também se manifesta nos nossos videoclipes, na teatralidade dos nossos shows e nas artes visuais que acompanham a banda.

Rádio AS Brazil: Esses conceitos mais densos e existenciais influenciam diretamente o processo de criação da banda? Como geralmente nasce uma música da Finita? A letra vem primeiro, ou tudo acontece de forma integrada entre som e ideia?

Bruno Portela: A composição na Finita acontece de forma muito natural e livre — e é assim que eu enxergo a arte. Não sigo regras para compor; tudo nasce a partir de uma ideia ou de um sentimento muito forte que surge quase como um insight, uma inspiração. |Muitas vezes eu digo que é como se existisse um "daimon" soprando algo no meu ouvido, e eu apenas tento traduzir isso em música. Às vezes é um conceito, uma ideia ou até uma história que precisa ser externalizada; em outras, é uma melodia que aparece do nada e fica ressoando em mim por dias, até que eu descubra o que ela realmente quer expressar. A partir desse momento, começa o processo de composição — que pode ser tanto a construção de uma letra quanto a criação de uma linha musical, mas sempre de forma integrada entre som e ideia. Por isso, cada música tem sua própria forma de nascer, sua própria identidade. É esse caráter orgânico do processo que faz com que nossos trabalhos sejam tão diversos e ao mesmo tempo conectados por uma essência comum.

Rádio AS Brazil: As letras da Finita transitam por temas sombrios, mas também profundamente humanos. Como vocês enxergam o papel da arte, e do Metal, em especial, como instrumento de reflexão sobre a condição humana?

Bruno Portela: De fato, nossas letras transitam por temas sombrios e, ao mesmo tempo, profundamente humanos. Acreditamos que a arte tem um papel singular: ela consegue chegar a lugares onde outras áreas não alcançam. A ciência é limitada pelo empirismo. A filosofia, pela lógica. A religião, muitas vezes, pelo dogma e pela dificuldade de se autocriticar. Já a arte é livre. E é justamente essa liberdade que permite atravessar os caminhos obscuros da condição humana — explorando aquilo que existe além do que os olhos podem ver. Quando refletimos sobre morte, suicídio, ódio ou outros aspectos terríveis da natureza humana, não o fazemos por mera morbidez, mas como forma de sublimação. A arte nos dá a chance de lidar com esses sentimentos sem reprimi-los, transformando-os em expressão criativa. No Metal isso fica muito evidente: raramente encontramos pessoas violentas dentro da cena, justamente porque essa energia já foi canalizada e elaborada pela música. Então, sim, vemos a arte — e o Metal em particular — como um instrumento poderoso de reflexão e de reconciliação com nossa própria natureza sensível.

Rádio AS Brazil: A Finita já está há bastante tempo na estrada e se apresentou em diversas cidades, ao lado de nomes importantes do cenário nacional e internacional. Quais foram os momentos mais marcantes para a banda nessa trajetória?

Bruno Portela: São muitos anos de estrada, e o início foi bastante difícil. Mas, nos últimos tempos, temos alcançado lugares que, lá no começo, nem imaginávamos. O trabalho duro vem dando frutos. Foram vários momentos marcantes, mas acredito que o mais especial até agora foi ter tocado no Opinião, em Porto Alegre, ao lado da Postmortem, Rebaelliun e Crypta. O Opinião é, sem dúvida, a casa de shows mais importante do Sul do país — palco por onde já passaram bandas lendárias. Poucas semanas antes, assistimos lá as apresentações do Arch Enemy e do Behemoth, bandas que admiramos profundamente. E, um mês depois, estávamos nós no mesmo palco, vivendo uma noite inesquecível diante de um público fantástico. Esse momento teve ainda mais significado porque Santa Maria levou uma excursão lotada para nos apoiar. Nosso público aqui é incrível, nos acompanha de perto e nos dá uma motivação gigantesca para seguir adiante. Esse apoio é, sem dúvida, parte essencial da nossa trajetória."

Rádio AS Brazil: Estar no extremo sul do país ainda representa um obstáculo em termos de alcance e circulação no cenário nacional? Vocês acreditam que a localização geográfica ainda interfere nas oportunidades e visibilidade das bandas?

Bruno Portela: Sem dúvida, a localização geográfica ainda tem um peso muito grande nas oportunidades que as bandas conseguem. Somos do interior do Rio Grande do Sul e sentimos isso na pele. Demoramos bastante para conquistar espaço fora de Santa Maria e tivemos que fazer muitos sacrifícios para tocar em grandes eventos e mostrar nosso trabalho ao vivo. E no underground, especialmente no metal, tudo acontece no palco. A essência é estar na estrada, cara a cara com o público. Por isso, estar em uma região com uma cena mais forte certamente abre mais portas. Talvez, se estivéssemos em uma capital onde o metal tem mais visibilidade, teríamos recebido melhores oportunidades antes — e até hoje. Mas entendemos que cada banda tem seu caminho. À medida que mais pessoas nos conhecem, novas chances aparecem, e isso nos fortalece. Estamos tranquilos com o processo e seguimos firmes, trilhando nossa trajetória da forma que ela se apresenta.

Rádio AS Brazil: Na visão de vocês, quais são os principais desafios enfrentados hoje por bandas do cenário underground, especialmente dentro do Metal mais denso e conceitual como o que a Finita propõe?

Bruno Portela: Vivemos um tempo difícil para quem faz música extrema e conceitual, porque o mundo contemporâneo é dominado pelo mercado — e o mercado transforma tudo em produto. A nossa arte não pode se reduzir a isso. Fazer um trabalho denso, filosófico, que exige técnica e não se dobra às regras do mercado é, de certa forma, um ato de resistência. Mas não estamos sozinhos nessa trincheira: há muitas bandas excelentes na cena e, principalmente, um público que sente falta de algo mais profundo e diferente. O grande desafio é justamente esse — disputar espaço em um mundo onde o consumo é rápido, guiado por tendências, e onde a arte acaba muitas vezes sendo deixada de lado em favor de produtos fáceis de vender. O que nos mantém firmes é a certeza de que estamos construindo algo valioso, único. Não temos a pretensão de nos tornar um produto ou buscar resultados imediatos. O que queremos é seguir nossa estrada, deixar um legado e, neste caminho, encontrar todos aqueles que desejam caminhar conosco na direção da arte.

Rádio AS Brazil: O nosso site valoriza e apoia o underground como uma força coletiva essencial para transformar e fortalecer o cenário musical. Gostaríamos de pedir que vocês indiquem cinco bandas do underground nacional que merecem a atenção dos nossos leitores.

Bruno Portela: Excelente! Tem muita banda boa no nosso underground, mas as dicas de hoje são Paradise in Flames, Vazio, Rebaelliun, Ereboros e Ethereal Embrace.

Rádio AS Brazil: Por fim, deixamos aqui o espaço aberto para que deixem um recado aos fãs da Finita e aos leitores do site da Rádio A.S. Brazil.

Bruno Portela: Gostaríamos de agradecer novamente pelo espaço e pela oportunidade. São iniciativas assim que fortalecem cada vez mais o underground. Nosso recado é sempre o mesmo: viva a música agora, monte a tua banda agora, vá aos shows agora porque o tempo não é nosso amigo. Ele vai reduzir tudo o que conhecemos a cinzas e lembranças. Quando isso acontecer, você vai querer sorrir nostálgico pelo que viveu e não triste pelo que deixou passar. Para os nossos fãs, novos e antigos: vivam genuinamente e espalhem a palavra!


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