5 de Agosto

5 de Agosto

O nevoeiro denso da madrugada se entrelaçava com os sussurros fantasmagóricos que emanavam dos becos escuros. Em meio à bruma, a figura esguia, um jovem estudioso de ocultismo, caminhava apressado em direção ao seu destino: o antiquário.
Buscava um artefato lendário, o Relógio de Chronos, que, segundo a lenda, possuía o poder de manipular o tempo. Ele acreditava que, com esse artefato, poderia desvendar o mistério que o assombrava: a repetição incessante do dia 5 de agosto de 2011.
Ao entrar no antiquário, foi recebido por um velho excêntrico de barbas longas e brancas, o dono da loja. Com um sorriso enigmático, guiou ele até uma sala secreta, onde um relógio de bolso dourado, adornado com símbolos arcanos, repousava sobre um pedestal de veludo verde.

“Este é o Relógio de Chronos”, disse com voz rouca. “Mas cuidado. O tempo é um labirinto traiçoeiro, e nem todos que o desvendam conseguem encontrar a saída.”

Tomado pela ânsia de desvendar o enigma, ignorou as palavras e tocou o relógio. Imediatamente, o mundo ao seu redor se dissolveu em um turbilhão de cores e sons. Quando a tormenta cessou, se viu em um lugar bizarro, uma cidade vitoriana distorcida e surreal.
Ruas se transformavam em rios de tinta, edifícios se dobravam como folhas de papel, e pessoas com rostos deformados andavam pelas ruas como marionetes sem cordas. Vagou por esse labirinto temporal, buscando uma maneira de escapar.
Em sua jornada, ele encontrou personagens peculiares: um poeta que recitava versos sem sentido, um cientista que tentava capturar o tempo em uma jarra, e um filósofo que questionava a própria natureza da realidade. Cada encontro o aproximava da verdade, mas também o lançava em um abismo de dúvidas e incertezas.
Finalmente, chegou ao coração do labirinto: uma torre de relógio gigante, cujo ponteiro único girava sem parar. No topo da torre, uma figura encapuzada o aguardava.

“Por que você está aqui?”, a figura perguntou com uma voz profunda. “O tempo não pode ser controlado. Flui como um rio, e ninguém pode detê-lo.”

Tomado por uma súbita compreensão, percebeu a futilidade de sua busca. A repetição do dia 5 de agosto não era um erro do tempo, mas sim um reflexo de sua própria obsessão. Ele estava preso em um ciclo de desesperança, incapaz de seguir em frente.

“Eu preciso aceitar o passado e seguir em frente”, disse com firmeza. “O tempo não pode ser revertido, mas o futuro ainda pode ser moldado.”
Com essa epifania, tocou o relógio novamente. O labirinto se dissolveu, e ele se viu de volta no antiquário. O dono o observava com um sorriso compreensivo.

“Você aprendeu a lição ?”, Perguntou. “O tempo não é um inimigo, mas um guia. Ele nos ensina a valorizar cada momento e a viver o presente.”

Agradeceu e saiu do antiquário, com o coração leve e a mente aberta. Havia desvendado o mistério do dia 5 de agosto, e finalmente estava pronto para seguir em frente, deixando para trás o labirinto e abraçando as infinitas possibilidades do futuro.

No entanto, a jornada não terminou ali. Dias, semanas e meses se passaram, e ele seguiu em frente, abraçando a vida com renovado vigor. Mas, em um fatídico 5 de agosto, a sensação de déjà vu retornou. O mundo ao seu redor pareceu tremer, o sabor do chá matinal ficou estranhamente familiar, e um calafrio percorreu sua espinha.
Desta vez, porém, não entrou em pânico. Lembrava da lição aprendida no labirinto: o tempo não pode ser controlado, mas a perspectiva sim. Com calma, ele decidiu quebrar o ciclo. Ao invés de buscar o culpado no externo, ele olhou para dentro.
Naquele 5 de agosto repetido, percebeu uma oportunidade. Procurou aquela pessoa que lhe dissera algo “diferente”, a voz dissonante em meio ao coro de certezas. Percorreu vielas e livrarias, cafés e salões literários, buscando o interlocutor do passado.

Finalmente, o encontrou em um parque tomado por uma névoa incomum, mesmo para os padrões do clima. Era um homem jovem, vestindo roupas que pareciam de outra época, com o olhar distante. se aproximou e, com a voz firme, perguntou:

“Você acredita que haja outra forma de ver as coisas?”

O homem olhou para ele, surpreso. “Sim”, respondeu hesitante. “Sempre acreditei que a realidade é mais fluida do que imaginamos, e que nossas escolhas podem reverberar de maneiras inesperadas.”

Naquele momento, algo no ar crepitou. A névoa se dissipou, e o mundo voltou ao seu curso normal. O dia 6 de agosto amanheceu ensolarado, pondo fim ao loop temporal. Nunca mais reviveria o mesmo dia indefinidamente.

Mas a experiência o marcou profundamente. Nunca esqueceu a lição do labirinto e o valor de questionar as verdades preestabelecidas. A partir de então, ele passou a buscar ativamente a voz dissonante, a ideia que contrariava o senso comum. A braçou o caos e a incerteza do tempo, pois sabia que era ali, na interseção do previsível e do inesperado, que a magia da vida residia.

Renato Pittas   

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