Bambi
Na cidade, onde os arranha-céus tocavam o céu e as ruas eram um emaranhado de histórias entrelaçadas, Bambi corria. Seus olhos grandes e inocentes refletiam o brilho das luzes artificiais, cada passo um desafio contra a inevitabilidade da existência urbana.
Ninguém jamais havia matado Bambi. Essa era a promessa sussurrada pelas paredes cinzentas e pelos becos esquecidos. Ninguém negaria a vida a qualquer um. Era uma regra não escrita, uma espécie de código moral que todos seguiam sem questionar. No entanto, as sombras cresciam mais densas, e os murmúrios de revolta se tornavam mais audíveis a cada dia que passava.
“Por que haveríamos de negar agora, depois de tanto tempo?”, questionavam os anciãos, cujas memórias se perdiam em uma névoa de lembranças confusas. A resposta era sempre a mesma: o ciclo da vida continua, indiferente aos desejos e temores humanos.
A visão de Bambi estava embaçada, um turbilhão de formas e cores que suas reações metabólicas decifravam como um código binário caótico. Em sua mente, a pergunta ecoava: “O que seremos se insistirmos em não sermos o ninguém?” A resposta, como uma fotografia de uma cena imóvel, parecia ao alcance de sua compreensão, mas sempre escorregava de suas mãos etéreas.
No meio do caos, havia um centro. Um lugar onde as histórias se entrelaçavam e os destinos se cruzavam. Era um mercado, onde mercadores vendiam sonhos engarrafados e memórias encapsuladas. Bambi se aproximou, curioso com a meia história disfarçada de inteira que lhe fora contada por um ancião.
“Veja, uma fotografia do absurdo em movimento”, disse o mercador, estendendo-lhe uma imagem. Era uma cena congelada no tempo: uma criança, segurando um balão vermelho, olhando fixamente para um céu tempestivo. “O verão acabou… é outono”, murmurou o mercador. “E a chuva lavará o asfalto hoje.”
Bambi, sem compreender totalmente, sentiu uma paz estranha. A chuva começou a cair, gotas pesadas que limpavam o asfalto sujo, apagando os rastros do passado e oferecendo um novo começo. Ele se lembrou das palavras: “ninguém negará a vida a qualquer um.”
Com a chuva, vieram as respostas. O ciclo continuava, imperturbável. Ninguém mataria Bambi, ninguém negaria a vida, porque a cidade e seus habitantes entendiam a importância de existir em harmonia, mesmo em meio ao caos.
Enquanto a água lavava a cidade, Bambi corria novamente, seus passos leves ecoando nas ruas molhadas. Ele era uma parte do ciclo, uma nota na sinfonia da vida, onde ninguém era ninguém, e todos eram alguém.
O som da chuva era uma melodia suave, envolvendo a cidade em um abraço líquido. O ritmo das gotas caindo no asfalto criou uma sinfonia, um pano de fundo para a jornada de Bambi. Enquanto corria, as luzes da cidade refletiam nos pequenos lagos formados nas fissuras das calçadas, cada reflexo uma janela para um mundo diferente.
Bambi atravessou a praça central, onde estátuas antigas observavam o movimento constante de pessoas indo e vindo. Seus olhos ainda embaçados decifravam figuras indistintas, mas ele sabia que cada rosto tinha uma história, cada pessoa uma batalha invisível. O outono trazia consigo uma renovação, uma promessa de recomeço. A cidade, apesar de suas cicatrizes, era um organismo vivo, respirando e pulsando com a energia de seus habitantes.
No coração da metrópole, havia um edifício esquecido, uma relíquia de tempos antigos. Bambi, atraído por uma força inexplicável, entrou nas sombras do prédio. Dentro, encontrou um santuário de tranquilidade, longe do frenesi do mundo exterior. O ar estava impregnado de uma calma ancestral, como se o tempo tivesse parado ali.
Em um canto do santuário, uma figura se destacava. Era um velho com olhos profundos, que pareciam conter o conhecimento de eras passadas. Ele acenou para Bambi, convidando-o a se aproximar. Com passos hesitantes, Bambi se aproximou e sentou-se ao lado do ancião.
“Você sente a mudança, não é?” perguntou o velho, sua voz suave como o vento de outono. “O mundo está em constante transformação, mas há coisas que permanecem inalteradas.”
Bambi assentiu, ainda processando a sabedoria nas palavras do ancião.
“O ciclo da vida é um mistério que poucos compreendem plenamente,” continuou o velho. “Mas uma coisa é certa: ninguém é verdadeiramente ninguém. Cada ser tem um propósito, uma razão para existir. E mesmo em meio ao caos, há ordem. Mesmo na incerteza, há esperança.”
Bambi olhou para o velho, seus olhos brilhando com uma nova compreensão. Ele se lembrou das promessas sussurradas pelas paredes da cidade, da meia história disfarçada de inteira, da fotografia do absurdo em movimento. Tudo fazia sentido agora.
“Você é uma parte vital deste ciclo,” disse o ancião. “Não importa o quanto o mundo mude, você tem o poder de influenciar, de fazer a diferença. Ninguém matará Bambi, porque Bambi é a essência da vida, a personificação da esperança e da continuidade.”
Com essas palavras, Bambi sentiu uma força nova dentro de si. Ele se levantou, agradecendo silenciosamente ao velho. Ao sair do santuário, a chuva ainda caía, mas agora parecia um batismo, uma purificação.
Bambi continuou sua jornada pela cidade, seus passos firmes e determinados. Ele não era apenas um cervo em meio ao concreto; ele era um símbolo, um lembrete de que, em meio à escuridão, a luz sempre encontrará uma maneira de brilhar. E enquanto a chuva lavava o asfalto, ele sabia que o ciclo da vida continuaria, implacável e belo.
Ninguém matará Bambi. Ninguém negará a vida a qualquer um. E enquanto o outono trazia consigo a promessa de um novo começo, Bambi corria livre, um testemunho da resiliência e da eterna dança da existência.
As gotas de chuva eram como lágrimas da própria cidade, purificando e revitalizando. Bambi corria com uma nova energia, sentindo-se parte de algo maior, algo eterno. Ele se dirigiu para o parque, um oásis verde no coração do concreto. Ali, as árvores estavam em transição, folhas douradas e vermelhas caindo suavemente no chão úmido.
No centro do parque havia um lago, suas águas calmas refletindo o céu cinzento e os contornos desfocados da cidade ao redor. Bambi parou à beira do lago, olhando seu reflexo ondulante. A chuva formava círculos concêntricos na superfície, distorcendo sua imagem, mas ele via além disso. Via a continuidade, a persistência da vida em cada gota que caía.
Bambi lembrou-se das palavras do velho sábio e das promessas da cidade. Ninguém mataria Bambi porque ele representava a força vital que transcende o tempo e as adversidades. Ele era o ciclo interminável de renascimento e renovação.
Uma figura emergiu da névoa do parque. Era uma jovem com um guarda-chuva colorido, seus olhos refletindo a mesma curiosidade e determinação que Bambi sentia. Ela se aproximou devagar, estendendo uma mão amistosa.
“Você está perdido?” perguntou ela, sua voz carregada de gentileza.
Bambi olhou para ela e, por um momento, viu um eco de si mesmo nos olhos da jovem. Ela era uma buscadora, alguém que também procurava um propósito, um entendimento mais profundo da vida.
“Não,” respondeu Bambi, sua voz soando estranhamente clara. “Estou exatamente onde devo estar.”
A jovem sorriu, compreendendo mais do que suas palavras podiam expressar. Eles caminharam juntos pelo parque, compartilhando um silêncio confortável, onde palavras eram desnecessárias. O som da chuva era um testemunho de sua jornada compartilhada, um lembrete de que, em meio ao caos, a paz podia ser encontrada.
Quando a noite caiu, a chuva diminuiu, e a cidade começou a se acalmar. As luzes dos arranha-céus brilhavam como estrelas artificiais, e o ar estava fresco com a promessa de um novo amanhecer. Bambi sabia que a jornada estava apenas começando, que cada dia traria novos desafios e novas oportunidades.
Ao se despedir da jovem, ele sentiu uma gratidão profunda. Não era apenas uma questão de ninguém negar a vida, mas de todos valorizarem a vida em todas as suas formas. O ciclo da existência continuaria, e ele faria parte dessa dança eterna, um símbolo de esperança e renovação.
Ninguém mataria Bambi porque Bambi era mais do que uma simples criatura; ele era a personificação do espírito indomável da vida. E enquanto ele corria novamente pelas ruas da cidade, seu coração estava cheio de uma certeza inabalável: a vida sempre encontraria um caminho, mesmo nas circunstâncias mais difíceis.
E assim, sob o céu estrelado e com o asfalto brilhando após a chuva, Bambi corria livre, um testemunho vivo da eterna renovação e do poder da esperança.
Renato Pittas
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