Compacto + Maioridade: Mais Que Uma Resenha, Uma Declaração
Antes de qualquer coisa, o título desta resenha é autoexplicativo: “Compacto + Maioridade: Mais Que Uma Resenha, Uma Declaração”, portanto, não se trata de algo técnico, com análises sobre qualidade, aspectos gráficos e sonoros, pontuação para temas e músicos, mas uma declaração. Um testemunho, sobre histórias entrelaçadas de bandas e pessoas, e como as coisas acontecem em determinados momentos de nossas histórias que proporcionam vínculos afetos com determinadas pessoas, ou grupos delas.
Uma pequena — que talvez nem fique tão pequena — introdução, é necessário para que se compreenda tal relação.
Em 1977 vivíamos anos tenebrosos politicamente, e o mundo inteiro parecia ebulir, tanto nesse aspecto como no cultural e particularmente musical, com a eclosão do Punk para o mundo. Assim, quando em Setembro daquele ano fiquei sabendo de um tal “Concerto Latino Americano de Rock”, com três bandas/artistas brasileiros e o mesmo número de argentinos, no colossal Ginásio do Ibirapuera em São Paulo, saí correndo. Afinal, estava sendo divulgado que seria a estreia da banda nova do Arnaldo Baptista, que tinha deixado Os Mutantes. “Arnaldo & A Patrulha do Espaço”. E assim ocorreu o primeiro show da banda, que francamente não lembro como foi. Lembro apenas que o público acabou se deliciando mais com os argentinos do Crucis. Com relação à Patrulha, lembro apenas que aconteceu algum problema no equipamento (Não sei se lembro, ou se me contaram depois. Cabeça idosa é complicado).
Parêntese: A formação original de “Arnaldo e A Patrulha do Espaço, na verdade praticamente uma banda de apoio do ex-Mutante, tinha além do próprio o “Júnior” na bateria, o Oswaldo “Cokinho” no baixo e o irlandês John Falvin na guitarra, que na saída do Arnaldo da banda deu lugar a Dudu Chermont.
A partir daí, comecei a frequentar todas as apresentações da banda, inclusive uma ainda com Arnaldo, que deixou a banda poucos meses depois, no Ginásio do Palmeiras, e em vários teatros de São Paulo e no SESC. Cada uma era mais eletrizante e fantástica do que a outra, com a característica de que a Patrulha sempre primou por excelentes músicos. (As clássicas do final dos anos 1970 começo dos 80, com Dudu Chermont e Oswaldo Genari, e depois Sérgio Santanna, são as mais conhecidas e lembradas) Cheguei a ir também ao show do Van Halen, já em 1983, mesmo sem gostar da banda, e assistir apenas a abertura com a Patrulha do Espaço.
Entretanto, o momento emocional que representa aquela época, é uma história muito conhecida de quem acompanha a minha trajetória, e está relatado num dos textos que compuseram os “Diários de Bordo” na época em que “trabalhei” com a banda. Em Março de 1979, a Patrulha do Espaço se apresentou num pequeno salão de Rock na Zona Leste de São Paulo, a Tarkus. Nesse momento, a banda contava com o Gigante Percy Weiss nos vocais, mas o que me impressionou foi que fiquei ao lado do baterista “Júnior”, cujo trabalho eu admirava desde anos antes, quando tinha gravado o primeiro disco do Made In Brazil. Trocamos algumas palavras. E foi quando percebi o pequeno “problema” que ele tinha em um dos braços, e isso só fez crescer grandemente a admiração que já tinha sobre ele como baterista.
Não preciso dizer que o show foi espetacular, mas, quando terminou e sai, encontrei uns amigos, e estava com alguns LPs que tinha emprestado embaixo do braço, e… Completamente “borracho”. Entramos num fusca, e numa curva o carro capotou e eu desci do carro com muita dor (quebrei a clavícula)… E…. Sem soltar os LPs. (Não tenho certeza se o “Preto”, primeiro disco da banda estava entre eles. Só sei que comprei esse disco direto das mãos do “Júnior”, só não lembro se foi antes ou depois). Esse acontecimento gerou piadas por muitos anos: “Perde até a vida, mas não solta os discos”, coisas assim. Esse fato até mereceria, 30 anos depois, uma “comemoração”, no mesmo lugar, com essa história sendo contada no palco do “Corintinha da Vila Rio Branco”.
Parêntese: Foi nesse dia, 19 de Dezembro de 2009, no evento denominado “Woodstarkus” em que conheci a Bell Giraçol, com quem vivo até hoje.
Nos início dos anos 1980, eu casei, tive filhos, então as coisas do Rock ficaram um pouco de lado, e pelo que me lembro foi mais ou menos na mesma época que eles também tiveram algumas pausas, com “Júnior” indo tocar no Inox, e tocado outros projetos.
Parêntese: em 1985, saiu um disco que acho espetacular. O “Patrulha 85”, quase um EP, gravado em apenas três dias, com uma sonoridade ainda mais pesado, contando com Sérgio Santana no baixo e vocal e o lendário guitarrista argentino, Pappo, que tinha sido parceiro de “Júnior” na icônica banda argentina “Aeroblus”.. O disco era o que chamamos atualmente de EP, com apenas cinco faixas: “Robot”, “Mulher Fácil”, “Olho Animal”, “Deus Devorador” e “El Riff (na verdade a versão instrumental de “Robot”.
Agora um salto no tempo. E aí que começa de fato a nossa história… (rs) Entre 1999 e 2001 morei em Belém do Pará, e nessa época eu já tinha criado o site “A Barata”, e fiquei sabendo que a Patrulha do Espaço estava de volta, com nova formação e disco novo. No final de 2001 retornei a São Paulo e a promover alguns eventos de Rock, logo nos primeiros meses do ano seguinte. Foi quando fiquei sabendo de um show do lançamento de “Chronophagia”, no Centro Cultural São Paulo. Fui até lá, levei uma camiseta do site de presente, e ganhei um CD. A partir daí, trocamos contato e fui até a casa do Rolando Castello Júnior, no intuito de oferecer a criação de um site da banda. Não lembro como se desenrolou esse assunto naquele momento, apenas que logo ele me convidou para ser o “Manager” da banda. Meio sem saber o que era isso, aceitei.
Parêntese: Esses dias, conversando com o Rolando, ele me disse que nosso primeiro encontro foi na Led Slay, antes disso, mas realmente não tenho certeza.
Logo cai na estrada com a banda, cumprindo várias tarefas, além de “Gerente”. A bordo do “Azulão”, percorremos varias jornadas, especialmente pelo interior de São Paulo e Santa Catarina. Assim, fui me envolvendo mais e mais com as coisas da Patrulha, aprendendo como era realmente o funcionamento dessa coisa de turnês, relacionamento entre membros de uma banda, problemas técnicos e financeiros. Tudo muito pesado, complicado, mas com certeza, muito, mas muito, eletrizante. De fato, reconheço esse tempo (creio que pouco mais de dois anos) foi a época em que mais aprendi coisas novas, em toda minha vida. Juntávamos naquele grupo, a começar do Walter “Alemão”, o motorista; passava pelos garotos, Daniel Kidd, James, Samuel Wagner, roadies, e depois chegava aos músicos. Do estupendo e genial baterista Rolando, ao “Gentleman do Rock”, o baixista Luiz Domingues (que eu conhecia por carta desde os anos 1970), aos então garotos, Marcello Schevano e Rodrigo Hid, nas guitarras e vocais. Cada show era uma nova aventura, cada problema novo encarado como desafio. Uma época preciosa que agora posso rememorar e, porque não, reviver. E tudo proporcionado agora, neste longínquo 2024, pelo relançamento do CD “Compacto + Maioridade”, aliás, o assunto principal deste artigo, talvez até sendo prolixo, mas é necessário. Foi nessa época, pelo fato de eu contar a história de cada viagem nos meus “Diários de Bordo”, que o Rolando me apelidou de “Pero Vaz de Caminha do Rock“, que eu tinha até esquecido, mas agora ele próprio me lembrou.
Parêntese: Ah, sim, acabei lembrando depois de concluir o texto: em 2013 lancei um livro, “Patrulha do Espaço no Planeta Rock”, uma coletânea que incluía, além dos textos do Diário de Bordo, outros, como releases e até mesmo poesias que escrevi para e sobre a banda. O prefácio foi do Rolando que, entre outras coisas, respondia as perguntas não respondidas numa entrevista de dez anos antes, como respondia a algumas mágoas que eu tinha sobre justamente esse disco. Amigos são assim: brigam, discutem, mas o tempo e a estrada sempre os reaproximam.
Chegamos agora ao ponto em que o “.ComPacto” entra em cena.
Conforme relatei acima, passei a participar e me envolver cada vez mais nas coisas da banda, com enorme prazer e satisfação, e logo no início de 2003 surgiu a ideia de lançar um disco, que estava gravado, mas não tinha previsão de lançamento, até pela pouca quantidade de músicas. Eu poderia contar com minhas próprias palavras, mas já fiz isso em outros artigos, então prefiro usar as escritas pelo Rolando, no encarte do CD, com absoluta precisão. Aliás, me emocionou muito quando ele me procurou pelo Facebook e falou do relançamento, mas não esperava merecer praticamente duas páginas do encarte só contando como foi, com direito a uma “fotinha” minha, a única que sobreviveu ao tempo.
“Nessa época, como viajávamos e tocávamos direto, tínhamos o ônibus da banda, uma excelente equipe de assistentes e motorista, que nos dava suporte nos inúmeros shows um desses membros era o Luiz Barata Cichetto que oficiava as lides de gerenciar a loucura da estrada, ainda criava, atualizava e mantinha no ar o site da Patrulha do Espaço. e como se fora pouco escrevia loucamente seus escritos, poesias e crônicas da estrada, que eram periodicamente publicadas.
O Barata era um excelente companheiro de estrada, de papos e altamente criativo na arte visual, e conversando sobre o material recém gravado surgiu o lance de que era um material compacto em volume de músicas, com apenas seis canções, uma rareza na época em que CDs entravam horas de músicas, nosso novo material somava 30 minutos. E assim, de conversa em conversa, um belo dia o Barata me liga e diz ter uma ideia, um conceito para o CD e que iria à minha casa me mostrar o lance.
Fiquei na maior curiosidade, e quando o camarada chegou com um layout de um velho compacto de vinil e com um trocadilho com a modernidade daqueles tempos, que era o lance do ponto com e um certo pacto que tínhamos todos da banda e equipe nesse ideal do rock e da vida.
A mim pareceu genial e ao resto da banda. Assim que colocamos mãos à obra, o primeiro e maior e maior obstáculo foi o fato de que como não se fabricavam mais discos de vinil, a gráfica que era especializada em CDs não tinha uma tal de faca, ferramenta necessária para reproduzir a capa de um compacto de vinil, com nossa característica obstinação corremos atrás e resolvemos o problema.”
(N. do B. 1.: Fomos, eu e Rolando, na já fechada fábrica da Continental Discos, na Avenida do Estado, onde um funcionário remanescente encontrou entre as “sucatas” , a tal faca, que era a originalmente usada para fazer os compactos de vinil).
(N. do B. 2.: O compacto de vinil, onde montei o “boneco” da ideia para mostrar ao Rolando, era de uma dupla de “Sertanejo Gospel” — sic — que eu tinha em casa nem sei por qual motivo. Imprimi e colei bem em cima da cara da tal dupla o logotipo da Patrulha).
Esta parte termina com eu, Samuel Wagner, o roadie, Rolando e mais alguém que não tenho certeza de quem, recortando manualmente os encartes e montando os CDs, e correria para fechar shows para divulgar o disco. O ponto alto foi a apresentação na Led Slay, em Março, onde estiveram presentes Dudu Chermont e Xandra Joplin. Foi a última aparição de Dudu, que faleceu logo em seguida, e nos brindou com momentos emocionantes, que também relatei nos textos do “Diário de Bordo” e num (“O Garoto”) escrito no dia de seu falecimento. Xandra Joplin faleceu há uns dois anos.
Depois disso, e toda a escalada de shows, em 2004 eu, por motivos de impedimento pessoal (separação, novo relacionamento, etc.) acabei me afastando das lides patrulhísticas, embora ainda tenha comparecido a shows, como a gravação do “Capturados Ao Vivo no CCSP”, que se minha memória etílica idosa não me trai, foi a despedida dessa formação.
Chegamos finalmente ao momento presente. Há umas duas semanas, Rolando me procura no Facebook e fala que estavam relançando o CD, agora nomeado de “Compacto + Maioridade”. O “ponto com” e a maiúscula no “P”, de Pacto deram lugar ao “Maioridade”, já que todo mundo se referia como “Compacto” mesmo.
Quando ele falou que tinha uma “fotinha” minha e postou na rede Facebook a capa, fiquei muito curioso e ansioso para receber. Poucos dias depois ele me manda, mas como creio que o CD original foi concebido durante as turnês, particularmente aqui pelo interior de São Paulo, incluindo minha atual região (São Carlos, Limeira, Rio Preto, etc.) ficou com saudades, e decidiu ter vida própria e sair passeando. Foi para Ribeirão Preto, Franca, veio para Araraquara, voltou para Ribeirão… E só aí chegou a minhas mãos. Não preciso falar que eu, que sofro de ansiedade, nem dormi direito, esperando. E quando hoje finalmente chegou e abri o pacote… Que maravilhosa surpresa: além da tal “fotinha”, quase duas páginas falando sobre minha participação. Como não sou de chorar, apenas deixei o coração bater mais forte, e suspirei, orgulhoso e agradecido pelo reconhecimento pelo meu “trabalho” que uso entre aspas porque dizem que o que a gente faz com paixão não é trabalho, é prazer. E, enfim, saber que dessa forma, estarei figurando modestamente na história dessa banda que fez e faz parte da minha vida desde a adolescência.
Agora, enfim, sobre “Compacto + Maioridade”: lançado em formato “Slipcase”, com um trabalho de arte espetacular feito pela Marta Benévolo (também a atual vocalista da banda), que aproveitou o logotipo original (de autoria de Marcos Mündell) usado na versão e criou um padrão visual moderno e forte, em tom de marrom, e inclui um encarte caprichado em papel couchê de 16 páginas com fotos e textos explicativos de Rolando (outra característica da banda), onde é contada a história da gravação e todo o processo que culminou com o disco original e informações detalhadas sobre o processo que culminou com o relançamento.
Quanto ao som do disco, isso merece um parágrafo à parte: lembro que quando saiu a edição original, comentamos que o som parecia meio abafado, embolado. Claro, há dê-se considerar as condições técnicas e outras da época. Mas, agora, assim que coloquei a bolachinha e o som entrou, tomei um susto, já que o som era límpido, claro, cristalino. Uma espetacular aventura sonora, que encanta a todos que gostam de Rock feito com profissionalismo e dedicação. A voz de Rodrigo Hid e Marcello Schevano soam claras e os instrumentos… Quase que dá para senti-los fisicamente ao nosso lado.
Segundo informado no encarte, o CD foi remasterizado “a partir das fitas analógicas originais” e remasterizadas e remixadas no Estúdio Orra Meu!, por Gustavo Barcellos, com a produção de Mixagem do Marcello Schevano. Diga-se de passagem, um trabalho perfeito, feito com profissionalismo e esmero.
O disco ainda contém duas faixas extras: “Sendo o Tudo e o Nada” do CD “Chronophagia” e uma mix alternativa de “Sendas Astrais”, ambas remasterizadas.
Enfim, eu disse que esta não seria uma resenha clássica, mas sim uma declaração, e um depoimento emocional, honesto e sincero sobre uma obra. E essa obra tem o nome de Patrulha do Espaço. Particularmente sou grato a esses músicos incríveis com quem convivi, na Estrada do Rock por alguns anos, e que até hoje tenho grande admiração e respeito, além de amizade: Rolando Castello Junior, Luiz Antônio Domingues, Marcello Schevano e Rodrigo Hid.
No mais, comprem, ouçam, indiquem, comentem “Compacto + Maioridade”
Parêntese: Preciso agradecer agora a todas as pessoas importantes que participaram desta minha jornada de “quase cinco anos”, que me levaram a lugares onde nenhum homem como eu jamais imaginaria estar: Rolando, Luiz Domingues, Marcello, Rodrigo, Walter Alemão, Samuel Wagner, Daniel Kidd, Junior Muellas, Marcio e Cíntia, “Homem Carbono”, Claudia Beatriz, James Castello, Dudu Chermont, Xandra Joplin, Raul, Sandro Mattos, “Homem Com Asas”, e àqueles agora de mim agora, daqueles tempos. Muito melhor muito obrigado por tudo que me ensinaram e proporcionaram.
26/03/2024
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Fonte : Barata Verso
Autor : Barata Cichetto
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