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Delírios ao Som de Giroscópio

Delírios ao Som de Giroscópio

Onde os arranha-céus se erguiam como monumentos de um futuro esquecível e os neons vibravam ao ritmo dos corações mecânicos, havia um trovador cuja presença era sentida como um sussurro no vento. Ele se fazia de surdo para escutar conversas alheias, desvendando os segredos que se escondiam nas sombras das ruas.
Com seu violão cintilante e um olhar que refletia as estrelas aprisionadas nas lâmpadas de vapor de sódio, dançava pelas ruelas, sua música ecoando entre os becos e vielas. Ele cantava em alto e bom som nas portas das vilas, sua voz um farol na noite perpetuamente iluminada do local.
Emérito trovador, era conhecido não apenas por suas canções, mas pelo culto de personalidade que havia construído. Não importava tanto a obra que criava, mas sim a ostentação midiática que erigia e derrubava mitos com a mesma facilidade com que trocava de roupa.
Sabia que a verdadeira magia da cidade não estava nas máquinas ou nos edifícios, mas nas histórias não contadas que residiam nos corações das pessoas. Desvendava esses contos enquanto dançava pelas ruas, seu violão projetando melodias que apenas ele podia ouvir, mas que todos podiam sentir.
Uma noite, enquanto os girocópios pairavam acima, suas hélices murmurando como fantasmas de metal, Ele encontrou uma mulher sentada na escadaria de um prédio antigo. Seus olhos eram janelas para uma dor profunda, e sua presença parecia desprovida da cor vibrante que permeava a cidade. Curioso e movido por um impulso que ele próprio não entendia, se aproximou e começou a tocar uma canção suave, quase como um sussurro.
A melodia capturou a atenção da mulher, que levantou os olhos para encontrar o olhar dele. Sem palavras, ela começou a contar sua história – não com a voz, mas através das lágrimas que deslizavam silenciosamente por seu rosto. Ele compreendeu que ela havia perdido algo precioso, um fragmento de seu coração que havia sido devorado pela cidade insaciável.

Determinado a restaurar a cor em sua vida, prometeu encontrar o que havia sido perdido. Ele sabia que a resposta estava escondida nas profundezas locais, onde as máquinas e os mitos colidiam. Seguindo os sussurros dos girocópios e as pistas deixadas pelos murmúrios da cidade, embarcou em uma jornada através dos labirintos urbanos.
Durante sua busca, encontrou outras almas perdidas, cada uma com uma história de dor e esperança. Ele reuniu essas histórias em suas canções, tecendo uma tapeçaria sonora que ressoava com a resiliência da vida. Sua música se tornou um farol de esperança, guiando aqueles que haviam se perdido de volta à luz.
Eventualmente, encontrou o fragmento perdido do coração da mulher, escondido nas profundezas de uma fábrica abandonada, onde as máquinas antigas sussurravam segredos esquecidos. Com um sorriso, ele voltou à escadaria onde a mulher esperava, devolvendo-lhe o que havia sido roubado.
Ao tocar sua última nota, viu a cor voltar ao rosto da mulher. A magia invisível havia sido restaurada, e ele sabia que seu papel como trovador estava completo. Ele continuou a dançar pelas ruelas, cantando canções de esperança e renovação, enquanto os girocópios acima murmuravam seu eterno cântico de metal.
Enquanto continuava sua jornada, a fama de seu poder transformador se espalhava por toda a cidade. Ele não era apenas um trovador; era um símbolo de resistência e renovação, alguém que podia ver a magia invisível que ligava os habitantes da cidade. Sua música se tornou a trilha sonora de uma revolução silenciosa, onde as pessoas começavam a acreditar novamente no poder de suas próprias histórias.
Certa noite, enquanto caminhava pelas ruelas da cidade, foi abordado por um grupo de crianças. Seus rostos eram marcados pela dureza da vida urbana, mas seus olhos brilhavam com uma curiosidade indomável. “Moço,” disse uma delas, “nos conte uma história sobre a luz que vive na escuridão.”

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Sorriu e sentou-se no chão, cercado pelas crianças. “Há muito tempo,” começou ele, “Aqui era apenas uma pequena vila, cercada por florestas densas e rios cristalinos. A vila tinha uma guardiã, uma mulher, que podia ver a luz nas trevas e ouvir a música nas coisas mais silenciosas.”
As crianças ouviram atentamente enquanto ele narrava a história dela, que havia protegido a vila dos perigos que espreitavam na escuridão. Falou de sua coragem, de como ela havia ensinado os moradores a ouvir o mundo ao seu redor e a encontrar a magia em suas próprias vidas.
À medida que a história avançava, percebeu que as crianças não estavam apenas ouvindo; estavam se conectando com a essência, com a verdade oculta sob a superfície brilhante da cidade. Quando ele terminou, as crianças estavam sorrindo, seus corações cheios de uma nova compreensão.
“Moço,” disse uma das crianças, “você também é uma guardiã, como Ela. Você vê a luz na escuridão e nos mostra a magia que esquecemos.”
Ele então, balançou a cabeça humildemente. “Eu apenas conto as histórias que já estão dentro de vocês. Vocês são os verdadeiros guardiões.”
Os dias passaram, ele continuou a caminhar pela cidade, seu violão sempre ao seu lado. Ele sabia que sua missão estava longe de terminar, pois aaqui era uma cidade em constante mudança, e sempre haveria novas histórias para contar, novos corações para curar.
Em uma noite particularmente tranquila, enquanto tocava uma melodia suave nas margens de um canal iluminado por luzes de neon, uma figura familiar surgiu na escuridão. Era a mulher que ele havia ajudado, agora radiante com uma nova energia. Ela se aproximou e sorriu.
“Obrigado.” disse ela. “Você me deu mais do que apenas o fragmento do meu coração. Você me mostrou que a esperança nunca morre, mesmo nos lugares mais escuros.”
Sorriu de volta, seus olhos refletindo as luzes dançantes da cidade. “A esperança está sempre presente, assim como a música. Nós só precisamos parar e ouvir.”

Com essas palavras, levantou seu violão e começou a tocar uma nova canção, uma melodia de renovação e esperança que ressoou pelas ruas. As pessoas pararam para ouvir, sentindo a magia invisível que ele tecia com suas notas.
E assim, sob o céu repleto de girocópios e luzes de neon, continuou a sua dança pelas ruelas, um trovador de esperança em uma cidade de sombras e luz.
A cidade, vibrante e caótica, começou a responder à música dele. Suas canções ecoavam pelas ruas, despertando memórias antigas e trazendo à tona sonhos esquecidos. As pessoas, tocadas pela melodia, se uniram em uma corrente invisível de esperança e renovação.
No auge da noite, encontrou-se no centro da Praça Cibernética, um vasto espaço dominado por hologramas de propaganda e anúncios de neon. Ali, ele sentiu a pulsação do coração da cidade, e sabia que era o momento de fazer algo grandioso. Ele subiu em uma plataforma, seu violão cintilando à luz das telas ao redor.
Começou a tocar, suas notas reverberando com uma força sobrenatural. A melodia era ao mesmo tempo antiga e futurista, um chamado que transcendia o tempo. Os girocópios acima pararam no ar, suas hélices silenciando como se a própria cidade estivesse prendendo a respiração.
As pessoas começaram a se aglomerar, atraídas pela música. O trovador tocava com uma intensidade nunca vista, suas mãos se movendo rapidamente pelas cordas, tecendo uma sinfonia de emoções. As luzes da praça começaram a pulsar ao ritmo da música, criando um espetáculo visual que deixava todos hipnotizados.
Então começou a cantar, sua voz ressoando como um trovão suave. Ele cantava sobre a resiliência do espírito humano, sobre a magia invisível que permeia a vida, e sobre a esperança que nunca morre. As palavras, carregadas de poder, se espalharam como um incêndio pela multidão.

De repente, algo extraordinário aconteceu. As holografias ao redor começaram a mudar. Em vez de propagandas e anúncios, as telas agora mostravam visões de um futuro melhor, um futuro onde as pessoas se uniam em vez de se separarem, onde a tecnologia servia para elevar a humanidade e não para aprisioná-la.
As lágrimas começaram a escorrer pelos rostos das pessoas, não de tristeza, mas de um profundo reconhecimento da possibilidade. A música dele havia quebrado as barreiras invisíveis que separavam os corações, e agora, a cidade estava despertando para um novo amanhecer.
Tocou a última nota com uma firmeza que parecia selar um destino. No silêncio que se seguiu, a multidão permaneceu em reverência. E então, como um trovão que rompe a calma, um aplauso uníssono eclodiu, ecoando pelas ruas e ruelas, pelos becos e arranha-céus. Era um som de agradecimento, de reconhecimento e de uma nova promessa.
Desceu da plataforma, exausto mas satisfeito. Ele sabia que seu papel como trovador havia atingido um novo patamar. As pessoas se aproximaram dele, agradecendo e abraçando-o, cada toque e palavra confirmando que a magia invisível havia sido sentida e aceita.
E assim, sob o céu onde os girocópios agora voavam como guardiões silenciosos, caminhou pelas ruas, sabendo que a cidade nunca mais seria a mesma. Havia semeado uma nova era, e enquanto as luzes de neon continuavam a brilhar, um novo tipo de luz – a luz da esperança – agora brilhava nos corações das pessoas.
A cidade, com sua mistura de sombras e luz, máquinas e sonhos, havia encontrado sua voz. E essa voz cantava uma melodia de renovação e união, uma melodia que ecoaria através dos tempos, perpetuada por um trovador cujo nome seria lembrado para sempre.

Renato Pittas   

Contato:[email protected]

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