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Fabula Esquizóide

Fabula Esquizóide

O cigarro queimava lentamente, transformando-se em cinzas quase invisíveis ao toque do vento. Ele, observava a paisagem com olhos cansados, olhos que já haviam visto o bastante para saber que as certezas são como folhas secas ao vento: dançam, flutuam e se despedaçam antes de tocar o chão. Cada alma que passava era uma nota na sinfonia caótica da vida, uma nota dissonante, desafinada, perdida entre as teclas de um piano tocado por mãos trêmulas.
Os passos da multidão formavam um ritmo irregular, como o compasso de um coração que pulsa em desespero. Mãos e contramãos se entrelaçavam, criando um labirinto de destinos que não levavam a lugar nenhum. E, no entanto, cada passo era uma decisão, uma escolha forçada pela ilusão do livre-arbítrio. Era a burla, o engano, que dançava entre as certezas, mudando a realidade com a leveza de uma pluma que, ao cair, revela uma nova face do mundo, um novo caminho que nem sempre corresponde ao que se desejava, mas que, ainda assim, se torna inevitável.

A música da vida, aquela que só se ouve no silêncio, ressoava na cabeça. Era uma melodia absurda, feita de palavras que não faziam sentido algum, uma cacofonia ontológica anarquista que destroçava as regras impostas pelos colonizadores do pensamento. E assim se fazia o novo mundo, um mundo onde as lendas se escreviam em linguagens ininteligíveis, fonéticas tortas, como se a realidade estivesse presa numa tela digital e a cada toque de tecla, uma nova distorção surgisse, mais absurda e mais real.
Sentado diante do teclado, os dedos hesitavam, incapazes de compor uma única frase coerente. A música dissonante que o envolvia parecia rir dele, zombar de sua incapacidade de criar algo que fizesse sentido. Mas quem precisa de sentido quando a vida é uma composição em 138 bpm’s, onde cada batida é uma nova distorção da realidade, uma nova nota perdida em meio ao caos?

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As pessoas passavam, deixando pedaços de si espalhados pelas calçadas. Não eram pedaços visíveis, mas fragmentos de alma, escombros de sonhos, ecos de desejos nunca realizados. Ele as observava sem espanto, apenas com a aceitação resignada de quem sabe que a vida é um ciclo interminável de idas e vindas, de encontros e desencontros, de certezas que são constantemente desfeitas pela burla, aquela força invisível que torce e retorce a realidade, revelando horizontes além do que os olhos míopes conseguem ver.
Ao virar a esquina, vislumbrou um novo horizonte, um que se estendia além da violência exibida em telas digitais, além do caos que parecia dominar o mundo. Mas esse horizonte era apenas uma miragem, uma nova burla que se desfazia ao menor toque de dúvida. Ele se ajeitou em sua poltrona, desconfortável com o espetáculo de tiros e pancadaria que se desenrolava diante de si, mais um show de horrores, mais uma ilusão que se misturava à realidade.

No final, ele era apenas mais um herói desperdiçado, uma nota desafinada na sinfonia da vida, perdida entre as teclas de um piano tocado por um maestro invisível. E enquanto o mundo gritava por uma vitória que talvez nunca chegasse, ele sabia que a verdadeira vitória estava em aceitar a burla, em entender que as certezas são apenas ilusões passageiras, e que, no fim, tudo se resume a seguir em frente, mesmo que o caminho seja apenas uma miragem num deserto de possibilidades.
Se recostou na poltrona, o cigarro agora apagado entre os dedos, deixando apenas um rastro de cinzas que o vento logo levaria. Os olhos, antes cansados, agora se fechavam lentamente, como se buscassem um alívio momentâneo no escuro. Mas, mesmo nesse silêncio, a sinfonia absurda continuava a ecoar em sua mente, dançando nas sombras, tecendo novas realidades em cada batida de um coração descompassado.

E, enquanto o horizonte se desvanecia, ele percebeu que a burla ainda estava lá, sorrindo nas entrelinhas, aguardando o próximo movimento. O mundo à sua volta continuava a girar, idas e vindas, mãos e contramãos, destinos cruzados e despedaçados, todos desenhando novas histórias que se entrelaçavam sem aviso.
No fundo, ele sabia que essa jornada estava longe de terminar. Havia sempre mais uma esquina a ser virada, mais uma nota a ser tocada, mais uma burla a ser descoberta. E talvez, só talvez, naquela próxima curva, algo novo se revelasse, algo que desafiasse todas as certezas, mas que, ao mesmo tempo, trouxesse consigo uma estranha e inevitável familiaridade.

Com um leve sorriso, abriu os olhos, encarando o vazio diante de si. Então, com a suavidade de quem aceita o incerto, levantou-se, pronto para seguir adiante, sabendo que, onde quer que fosse, a música continuaria a tocar, distorcida e dissonante, mas sempre presente, sempre aguardando a próxima nota.

Renato Pittas   

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