Lost In The Supermarket II
Perdido no supermercado, vim pegar umas pilhas AAA pro player e um saquinho de biscoito de isopor para concorrer a um laptop. Estou aqui, empurrando um carrinho entre pessoas que param no meio do corredor, indecisas entre escolher um refrigerante para o almoço ou outro para os cachorros-quentes… stay away. “Não vá se perder por aí!”… Perdido no açougue, procurando se há frios fatiados, e na padaria, se há miojo… Onde está a seção de dietéticos? Quero um adoçante de baixa caloria, mas sigo dirigindo um carrinho com o qual tropeço, a menos que caminhe de pernas abertas… Maldito designer… Sem a menor paciência para estar na rua. Agora, louco para ouvir música e deixar a realidade se desvanecer no silêncio de casa, can’t stand me!… Não há mistérios nas sombras.
De que lado ficam os cereais? Onde está o Club Social e a reciprocidade socialista? Onde estão os profetas e a interação com os dogmas da dominação ancestral? Restam-nos a mercantilização da consciência coletiva como produto e as teorias de Coué sobre ilusionismo e comunicação de massas… Todos abandonaram suas esperanças, criando ilusões como Houdini, tão verossímeis quanto encontrar queijo mussarela fatiado ou em pedaços na sua prateleira!
Não, não me iludo!…
Sei que é truque,
ninguém atravessa paredes!
Pelo corredor de conservas, procurando caldo de legumes, lembro que estou sem molho inglês, shoyu e alcaparras… Procuro os de vidro, afinal, vidro é melhor que “pet”… São mais duráveis e ecológicos… Essa coisa de ecologia deve estar na ordem do dia, afinal, precisamos conquistar a autonomia da auto-sustentabilidade e acabar com esse papo politicamente correto sobre o que deve ser feito para salvar o mundo. Suposições só atrasam o processo revolucionário, retardam decisões urgentes e favorecem a corrupção reacionária.
Circunlóquio! Ninguém reconstrói atmosferas!
De vez em quando, um acidente de trânsito entre os corredores deste labirinto consumista; nos olhamos, culpando um ao outro por nosso fracasso direcional. Aí, fico pensando: se déssemos cérebro a um macaco, ele localizaria seu umbigo no centro do universo e queimaria os que desafiassem essa inquisição, lançando panfletos zelosos sobre lei e ordem, o direito de ir e vir e outras bobagens que nos são inerentemente herdadas por direito e pela genética, que evolui para fazer gerações melhores que a nossa, agora, segundo Darwin e os que professam suas ideias evolutivas e as naturais possibilidades de crescimento… Saber que olha para a luz e não vê apenas Deus, disfarçado num corante que dá o falso brilho ao molho ou a centenas de produtos que às vezes não há dinheiro para comprar e outras vezes sobra dinheiro, mas falta decisão sobre o que comprar. Ter ou não ter, ser ou não ser, crer ou não crer; rimam tanto que podem se afirmar e se contradizer. Até aí, não disse nada… Aliás, nunca quis dizer nada definitivo, nada que afirmasse o que diante dos meus olhos se contradiz como ofertas que vendem o preço real dos produtos sem a ganância de quem os oferece, e a prestação da TV de plasma vencida há três meses… Inadimplente!
Passando pela seção de utilidades domésticas, me encanto com um espremedor de alho e um ralador de cebolas, no qual provavelmente machucaria a ponta dos dedos, ralando tudo o que pudesse ser ralado. Ou, no verbo espremer, a iníqua promessa de vexame para salvar. E aí viriam bolhas e, certamente, calos depois! Trágica mágica da fatalidade, mas nada que eu não me recupere ou que não me faça, por alguns dias, desfilar curativos incorporados aos modelitos moderninhos e básicos… Será? Será que existe algo deste lado com tanto apelo para a mesma coisa? Será que nas saídas nos esperarão caixas? Temos que embalar tudo isso para carregar rua afora, presos aos ganchos de nossas mãos.
O pão que se esfumaça na cesta é tão quentinho que todos o querem ao mesmo tempo, como famintos que nunca comeram pão, fascinados pelo aroma do trigo sovado e assado. Se lançam numa batalha voraz; quem vence se serve da melhor fatia. Aos maiores, supõe-se, melhor qualidade ou um quantum menor de energia? Expectativas são tão miseráveis quanto qualquer outra que circula por estes entrepostos de ilusões e guloseimas, esperanças em vão: quinze minutos para decidir se leva ou não! Fora as compras por impulso, que não demandam escolhas… Hoje à noite tem decisão, e eu estou aqui, ainda… procurando por uma promoção relâmpago para poupar alguns trocados no filé de frango, já que a economia é instável e favorece apenas os especuladores atrás de ganhos do capital predatório… Vou navegando por esse piso de granito, impecável como um novo escândalo estampado nas capas dos jornais expostos como iscas para vender revistas de moda, culinária e autoajuda… Macroestesia justifica os crendeiros.
Continuo achando graça de tudo isso, rindo do que não creio, fazendo metátese, dizendo qualquer coisa que a boca inventa… ou que o hálito volateia no meio de um arroto… No meio da falácia crítica etimológica, percebo que o mundo ao redor não é tão ruim como imagino, mas sei que é necessário perceber suas contradições para melhorar nossas condições existenciais. Afinal, tantos passam fome, não têm educação nem direito à saúde, tantos vivem neste mundo maravilhoso, abandonados pelas esquinas, dormindo em papelões esticados ao relento, cobertos por mantas de plástico negro que embalam as mercadorias que chegam das mais diversas regiões deste mundo globalizado, neoliberal, de milionários especuladores e miseráveis catadores do lixo produzido por aqueles que desfilam suas vaidades nos chás de caridade que oferecem paliativos às soluções que se fazem necessárias para que o mundo se torne algo distante desta crítica incessante que é interpretá-lo… Repentinamente, me espanto com o preço dos laticínios, que se tornaram proibitivos para muitos, e pouco importa, ninguém boicotará. E o quartel os manterá em alta até o final da entressafra, quando os tonelames estiverem transbordando de etanol; daí, quase todos poderão voltar a comer Romeu e Julieta… A seção de vinhos é do outro lado, não vejo nenhum hidrópico por aqui.
À medida que me aproximo do caixa, a mente ainda vagueia pelas reflexões e absurdos que este ambiente suscita. O peso do cotidiano e das escolhas triviais se mistura à ironia de estar preso nesse ciclo de consumo, onde cada decisão parece insignificante e, ao mesmo tempo, carregada de uma espécie de fatalismo. O supermercado, com seus corredores intermináveis, torna-se uma metáfora para a vida, onde navegamos entre ofertas, ilusões e as necessidades básicas que nos empurram adiante.
Mas, no fundo, entre o ruído das prateleiras e a rotina de carregar um carrinho pesado, há algo mais. Talvez seja a percepção de que, mesmo no meio do caos e da banalidade, existe uma verdade silenciosa que nos convida a olhar além das superfícies. A vida, como o supermercado, é cheia de pequenos desafios, mas também de pequenas vitórias, e a cada passo, aprendemos a equilibrar os ovos que carregamos, tentando não quebrá-los, enquanto seguimos em frente.
No fim das contas, saio dali com as compras feitas e a cabeça ainda cheia de pensamentos. A noite cai, e com ela, a calma do lar que tanto anseio. Porque, no fim, por mais que nos percamos nesses corredores de incertezas e consumismo, sempre há um momento em que encontramos o caminho de volta para aquilo que realmente importa.
Afinal! Quem carrega ovos precisa ter cuidado para não quebrá-los.
Renato Pittas
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