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O Canto das Sombras

O Canto das Sombras

Na pequena vila de Arvoredo, situada s, enchendo o ar com suas melodias enigmáticas. Poucos sabiam que aquelas doces canções escondiam segredos profundos e sombrios, pois a maledicência era comum na língua dos pássaros.
Os corvos, com seus olhos perscrutadores, grasnavam suas críticas afiadas, disfarçadas em notas que pareciam apenas raspar a superfície da audição humana. Os pintassilgos, com sua aparência delicada, piavam verdades cruéis sobre os segredos dos habitantes, suas melodias inocentes mascarando uma visão distorcida da realidade. Outros pássaros assoviavam, tecendo histórias de vidas não vividas, de sonhos desfeitos e esperanças vazias. Para os humanos, essas canções eram apenas uma parte agradável do ambiente, mas para os pássaros, cada nota carregava um peso de significado, telecomunicando-se em outra dimensão. Diferente das percepções humanas, os pássaros possuíam outras visões de um mundo alternativo, um reflexo do que os olhos humanos não podiam captar. Nesse mundo paralelo, os pássaros eram soberanos de vastos territórios, suas asas cortando os céus de reinos etéreos. Mas havia uma sombra nesse domínio: a crueldade de se verem enjaulados, prisioneiros de colecionadores que amavam suas plumagens, mas ignoravam suas almas. Em uma mansão no coração da vila, vivia o colecionador, um homem obcecado pela beleza e pelo canto das aves. Ele acreditava que possuía um presente inestimável, mas não sabia que, ao aprisionar aquelas criaturas, aprisionava também seus corações.
Uma noite, a lua cheia iluminou Arvoredo com uma luz espectral. Os pássaros nas gaiolas começaram a cantar uma melodia diferente, uma harmonia que carregava a dor de suas almas. Aos ouvidos humanos, era apenas uma bela sinfonia, mas para os pássaros, era um chamado por libertação.

Lá fora, na floresta, uma coruja sábia escutou o apelo e, com seus olhos luminosos, lançou um feitiço sobre a vila. As gaiolas se abriram silenciosamente, e as aves voaram livres para o céu. Ao cruzarem a fronteira entre os mundos, transformaram-se em sombras, assumindo suas formas verdadeiras de majestosos soberanos de reinos invisíveis.
O colecionador, ao despertar, encontrou suas gaiolas vazias e um silêncio profundo em sua casa. Ao olhar pela janela, viu as sombras das aves dançando na luz da lua, uma visão que jamais poderia entender. Com o tempo, a vila de Arvoredo voltou à sua tranquilidade, mas os habitantes notaram uma mudança sutil. As aves que agora cantavam nas árvores pareciam diferentes, suas melodias carregavam uma paz recém-descoberta, um equilíbrio restaurado.
Assim, a vila aprendeu a respeitar os segredos ocultos nas canções dos pássaros, entendendo que cada nota, cada piar, carregava uma história, um lamento, e uma verdade além da compreensão humana. E o colecionador, agora solitário, passou seus dias ouvindo o silêncio, aprendendo lentamente que a verdadeira beleza reside na liberdade e no respeito pelo invisível..
O colecionador, foi assombrado pelas imagens da noite em que perdeu suas aves. As sombras dançantes, a sinfonia silenciosa e a sensação de vazio o perseguiram dia e noite. Ele começou a passar horas na floresta, tentando compreender os segredos que os pássaros carregavam.

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Certo dia, ao caminhar entre as árvores, encontrou uma pena negra com um brilho quase sobrenatural. Ao pegá-la, sentiu uma vibração sutil percorrer seu corpo. Ele sabia que aquela pena era especial, talvez um presente dos pássaros que outrora aprisionara.
Intrigado, levou a pena de volta para sua casa e passou a noite estudando-a à luz de velas. Enquanto seus olhos estavam fixos na pena, um som suave encheu a sala, como um sussurro distante. Fechando os olhos, ele se permitiu ser levado por aquela melodia etérea. De repente, encontrou-se em uma clareira iluminada por uma lua pálida, cercado por figuras etéreas das aves que havia aprisionado.
“Por que nos enjaulaste?” perguntou um corvo, sua voz um eco na mente dele.
“Eu… queria conservar sua beleza,” respondeu, sentindo-se pequeno sob o olhar penetrante das aves.
“Beleza não é para ser possuída, mas para ser admirada em liberdade,” disse um pintassilgo, sua voz doce e firme. “Você não compreendeu o peso de nossas canções, a profundidade de nossas almas.”
Ele caiu de joelhos, lágrimas escorrendo por seu rosto. “Eu não sabia. Perdoem-me.”
As aves se aproximaram, suas formas etéreas envolvendo-o em um abraço cálido. “A compreensão é o primeiro passo para a redenção,” sussurrou a coruja sábia que havia lançado o feitiço. “Você tem a chance de fazer as pazes com nossa espécie.”
Quando abriu os olhos, estava de volta à sua casa, mas algo havia mudado dentro dele. A pena negra ainda estava em sua mão, agora brilhando com uma luz própria. Decidido a se redimir, ele começou a transformar sua mansão em um santuário para aves, um lugar onde elas poderiam viver livremente e onde ele pudesse aprender com suas canções.
As aves começaram a retornar, não mais presas, mas como visitantes, trazendo com elas melodias de mundos invisíveis. Ele passou a entender a complexidade de seus cantos, cada nota uma história, cada melodia um eco de outras dimensões. Aprendeu a escutar com o coração, a ver com a alma, e a respeitar a liberdade que havia roubado.
Os habitantes de Arvoredo notaram a transformação nele e passaram a frequentar o santuário, aprendendo também a respeitar e proteger as aves. A vila floresceu, com a natureza e os humanos vivendo em uma harmonia mais profunda. E, à noite, quando a lua iluminava as colinas, as aves cantavam canções de perdão e renovação, suas vozes ecoando entre os reinos visíveis e invisíveis, um lembrete constante de que a verdadeira beleza reside na liberdade e na harmonia com o desconhecido.
E assim, Arvoredo se tornou um lugar onde a magia dos pássaros e a compreensão humana se entrelaçavam, criando uma melodia eterna de redenção e amor.Ele, agora um guardião da liberdade, dedicou o resto de seus dias a proteger e celebrar as vidas aladas que haviam ensinado a ele e à vila uma lição valiosa: a verdadeira beleza é livre e só pode ser apreciada em seu estado natural.
Anos se passaram e ele se tornou uma lenda viva em Arvoredo. Sua mansão transformada em santuário era um refúgio para aves de todas as partes, e sua história de redenção inspirava gerações. Crianças cresciam ouvindo as histórias de como havia aprendido a ouvir o verdadeiro canto das aves e entender a profundidade de suas melodias.
Em uma noite de verão, quando a lua cheia brilhava intensamente, H, agora com cabelos prateados e uma presença serena, sentiu que seu tempo na Terra estava chegando ao fim. Ele caminhou até o centro do santuário, onde um grande carvalho, antigo e sábio, dominava a paisagem. Sentou-se à sombra da árvore e fechou os olhos, permitindo-se ser envolvido pela sinfonia noturna das aves.
As sombras das aves, que ele havia visto na noite da grande libertação, começaram a aparecer novamente, mas desta vez, elas estavam radiantes, cheias de luz e vida. Cercaram-no, suas canções transformando-se em uma melodia de despedida e gratidão.
A coruja sábia pousou ao lado dele, olhando-o com seus olhos penetrantes. “Você cumpriu sua jornada. A paz que trouxe a este lugar ressoa em outros mundos. Está na hora de voar conosco.”
Com um último suspiro, sentiu seu espírito ser liberado de seu corpo, elevado pelas asas das aves. Juntos, eles ascenderam ao céu, atravessando dimensões invisíveis, suas almas entrelaçadas em uma dança eterna de liberdade e harmonia.
No dia seguinte, os habitantes de Arvoredo encontraram o corpo sereno dele sob o carvalho. Em silêncio, respeitaram sua passagem, sabendo que ele agora fazia parte das canções que tanto amara. As aves, por sua vez, cantaram uma elegia que ecoou pela vila, um tributo ao homem que havia aprendido a verdadeira essência da liberdade e da beleza.
E assim, a história de Horácio e das aves de Arvoredo se tornou uma lenda, ensinando a todos que a verdadeira harmonia só é alcançada quando respeitamos a liberdade e a profundidade dos seres ao nosso redor. A vila continuou a florescer, um santuário não apenas para aves, mas para todas as formas de vida que desejavam viver em paz e liberdade.

Renato Pittas   

Contato:[email protected]

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