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O Mundo Através dor meus Olhos

O Mundo Através dor meus Olhos

Fora da minha cabeça, perto do que posso enxergar, fico olhando o que passa. Vejo céus às vezes azuis, outras cinzentos, mas sempre céus impregnados de atmosferas tomadas por ventos que empurram o oxigênio que incendeia nossos pulmões. Olhos míopes olhando através de lentes de poliuretano as imagens passarem em um carrossel de insano movimento perpétuo, que vão levando acasos e destinos previsíveis ao longe.

Cidades inteiras cinzas de aço, vidro, tijolos e concreto armado pelas tramas corporativas do mercado imobiliário industrial de artefatos modernos e taxas urbanas para o nosso conforto social. Ambulâncias vermelhas que passam com cantos estridentes de sirenes em pronto socorro à vida urgente que desafia a ciência em busca de cura. Por outro lado, o tráfego mercantil de utilidades e inutilidades descritas em lojas de e-commerce multinacionais e locais e o imposto das blusinhas circulando em moeda fiscal.
Deixo tudo de lado por um momento e, diante de um banco eletrônico, insiro um cartão em uma máquina, retiro algum para fazer um lanche frito em óleo vencido, num bar de esquina. Tomo uma cerveja e fumo um cigarro sentado em uma cadeira de plástico, observando o movimento das pessoas atravessando a esquina carregando pacotes, cachorros, gatos no colo. Mulheres com suas características que incitam ao voyeurismo e admiração do belo, atiçando fantasias surrealistas que nunca se realizarão, mas que levam a devaneios, nem sempre libidinosos, por vezes impregnados de afetividades variadas. Crianças passam afiançadas pelo compromisso paterno, agarradas às mãos que as conduzem pelas circunstâncias num movimento de ir e vir urbano.

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No mundo através dos meus olhos, vejo moscas ao redor sobrevoando em busca de algo que mate sua fome de doces ou guloseimas esquecidas ou expostas por aí. Elas parecem tão perdidas quanto eu, navegando nesse caos urbano de concreto e sonhos despedaçados.

Meu olhar captura fragmentos do surreal em cada esquina, onde a lógica se dobra e torce sob a luz de néons piscantes e os sussurros de grafites nas paredes. Um palhaço triste toca saxofone na calçada, sua melodia ecoando entre os prédios como um grito abafado de liberdade. O som se mistura ao ruído constante de motores e conversas apressadas, criando uma sinfonia dissonante que embala a cidade insone.
Entre as sombras dos arranha-céus, vejo figuras fantasmagóricas dançando uma valsa silenciosa. Elas se movem em um ritmo só delas, ignorando as leis da física e da razão. Talvez sejam reflexos de minhas próprias incertezas, projetados nas paredes de concreto como uma arte díspar e efêmera.

Os sinais de trânsito piscam em um código morse enigmático, comunicando segredos que apenas os mais atentos conseguem decifrar. As vitrines das lojas exibem não só produtos, mas também sonhos e desejos enjaulados, esperando serem libertados por aqueles que ousam olhar além do óbvio.
Enquanto isso, o cheiro de comida de rua se mistura ao ar poluído, criando um aroma agridoce de sobrevivência e nostalgia. Vejo um homem solitário, vendendo balões coloridos que flutuam contra o pano de fundo monótono da cidade. Cada balão parece conter uma pequena fração de esperança, pronta para ser liberada a qualquer momento.
E no meio desse caos organizado, eu me perco e me encontro repetidamente, navegando entre a realidade e o absurdo, observando o mundo através dos meus olhos.

Nas calçadas sujas, vejo sapatos desgastados, alguns com passos apressados, outros arrastando-se em cansaço. Há um ritmo frenético e caótico na cidade, um coração que bate irregular, mas incessante. Cada esquina é uma nova cena de um teatro absurdo, onde personagens improváveis desempenham papéis inesperados.
Um homem de terno, com uma maleta de couro, dança com um gato de rua, ambos alheios ao trânsito que os rodeia. Crianças correm atrás de pombos, suas risadas ecoando como sinos em meio ao ruído constante. Um mendigo, envolto em trapos, recita poesias com uma voz que carrega a sabedoria dos séculos, seus olhos refletindo histórias nunca contadas.

O mundo através dos meus olhos se transforma em um caleidoscópio de cores e sons, onde o banal se torna extraordinário e o extraordinário se torna rotina. A fachada de um prédio desaba em câmera lenta, revelando um jardim secreto onde flores gigantes respiram poesia e borboletas carregam mensagens codificadas em suas asas.

A cidade nunca dorme, mas em alguns momentos parece suspirar. Sinto uma brisa suave que traz consigo fragmentos de conversas alheias, promessas esquecidas e sonhos abandonados. Cada passo que dou ressoa como uma batida de tambor em um ritual urbano, marcando minha jornada por este labirinto de concreto e esperanças.
Vejo uma mulher vestida de arco-íris, sua presença uma explosão de cor contra o fundo cinza. Ela distribui sorrisos como se fossem moeda corrente, cada um iluminando os rostos sombrios ao seu redor. Ao passar por mim, ela me entrega uma flor de papel, suas pétalas carregando um aroma de infância e liberdade.

No horizonte, o sol começa a se pôr, pintando o céu com tons de laranja e púrpura. As sombras se alongam, transformando a cidade em um jogo de luz e escuridão. Sinto-me parte de uma pintura viva, cada movimento meu uma pincelada na tela infinita deste universo urbano.
A noite se aproxima, trazendo consigo uma nova camada de mistério. As luzes dos postes acendem-se uma a uma, estrelas artificiais guiando os perdidos e os sonhadores. Ouço o som distante de uma guitarra, suas notas vibrando no ar como fios invisíveis conectando almas desconhecidas.

O mundo através dos meus olhos é um mosaico de histórias entrelaçadas, onde cada pessoa, cada lugar, é uma peça essencial. E enquanto a cidade pulsa ao meu redor, continuo a caminhar, absorvendo cada detalhe, cada nuance, sabendo que, apesar do caos e da confusão, há uma beleza indescritível na simples existência.

À medida que a noite se instala, as luzes da cidade piscam como estrelas distantes, cada uma escondendo um segredo, uma história não contada. O som da guitarra torna-se mais claro, suas notas hipnóticas atraindo-me para uma viela desconhecida, uma passagem que nunca antes havia notado.
Sigo a melodia, meus passos ecoando suavemente nas paredes de tijolos cobertas de grafites que parecem ganhar vida à medida que passo. Os desenhos formam rostos familiares, figuras de sonhos passados, como se a cidade estivesse tentando me contar algo que eu deveria ter sabido desde sempre.
No final da viela, encontro um pequeno pátio iluminado por uma única lâmpada pendurada, seu brilho oscilante lançando sombras dançantes sobre uma mesa de madeira antiga. Sentado ali, com a guitarra no colo, está um velho de olhar profundo e sorriso enigmático. Ele me observa por um momento, seus dedos deslizando suavemente sobre as cordas, criando uma melodia que ressoa no fundo da minha alma.

“Você veio,” ele diz, como se estivesse me esperando desde sempre. “Esta cidade é um quebra-cabeça, e você é uma das peças faltantes.”

Antes que eu possa responder, ele estende a mão e me entrega um pequeno livro de capa desgastada. Abro-o e vejo páginas em branco, exceto por uma frase escrita em uma caligrafia elegante: “Para encontrar as respostas, você deve primeiro fazer as perguntas certas.”

Levanto os olhos, mas o velho e sua guitarra desapareceram, deixando apenas a melodia ecoando suavemente no ar. Olho ao redor, percebendo que o pátio parece se dissolver, as paredes se desfazendo em névoa, revelando um vasto horizonte que se estende infinitamente.
Com o livro em mãos, retorno à rua principal, a cidade agora um pouco mais silenciosa, suas luzes piscando como se soubessem de um segredo que ainda preciso descobrir. Sinto um novo propósito, uma missão invisível guiando meus passos, enquanto me perco e me encontro repetidamente, navegando entre a realidade e o absurdo.

No mundo através dos meus olhos, as perguntas certas ainda estão por ser feitas, e cada esquina, cada sombra, carrega uma pista para o enigma que sou. E enquanto a noite avança, a cidade murmura suavemente, suas respostas escondidas nos sussurros do vento e nas notas perdidas de uma guitarra esquecida.

Renato Pittas   

Contato:[email protected]

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