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O Ponto de Encontro dos Relógios

O Ponto de Encontro dos Relógios

A cidade estava imersa em um crepúsculo contínuo, um momento suspenso entre o dia e a noite, onde o tempo parecia se dobrar sobre si mesmo. As ruas, com suas calçadas cobertas por um mosaico de relógios quebrados e espelhos emoldurados, refletiam um mundo fragmentado e inquieto. Edifícios altos e irregulares, com fachadas que se esticavam e se torciam como se estivessem se contorcendo sob uma pressão invisível, formavam uma selva urbana de concreto e metal. A cidade tinha uma qualidade onírica, um ambiente onde o real e o imaginário se entrelaçavam de maneira indissolúvel.
Foi em uma dessas ruas, que ela se viu pela primeira vez. Era uma mulher de meia-idade, com uma aura de tranquilidade em meio ao caos, carregando uma mala antiga, desgastada pelo tempo e pelos caminhos desconhecidos. Caminhava com um propósito, mas o destino parecia brincar com seus passos, desviando-a sutilmente para as encruzilhadas erradas, para os becos esquecidos e para as esquinas que não apareciam em nenhum mapa.

Enquanto caminhava, notava os detalhes estranhos e encantadores da cidade. As luzes das lamparinas, em vez de projetarem luz, lançavam sombras dançantes que pareciam viver uma vida própria. Os gatos que cruzavam sua rota tinham olhos de horas antigas e seus miados ressoavam como uma melodia dos tempos esquecidos. A atmosfera estava impregnada de um perfume indefinido, um mix de nostalgia e mistério que pairava no ar como uma névoa etérea.
Ela estava à procura de um lugar chamado “O Café dos Relógios”. Havia ouvido falar dele em uma conversa casual durante uma viagem a um mercado flutuante na cidade vizinha. A descrição do local era vaga, uma fusão de imaginação e realidade que parecia ter sido desenhada por um artista surrealista. Segundo os rumores, o café era um ponto de encontro para aqueles que buscavam respostas para perguntas que ainda não haviam formulado.
Finalmente, ao virar uma esquina, encontrou a entrada do café. A porta era uma grande peça de relojoaria, com engrenagens visíveis e ponteiros que giravam em direções opostas, criando uma dança perpétua. Ao abrir a porta, ela entrou em um espaço onde o tempo parecia ter sido retirado de suas correntes, uma sala onde minutos e horas se entrelaçavam de maneira orgânica.

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O interior era uma colagem de estilos e épocas, uma mistura de veludo vermelho e madeira escura, com tapeçarias que pareciam capturar momentos congelados no tempo. O teto estava coberto por um enorme cúpula de cristal, através da qual estrelas e constelações se moviam lentamente, não em um padrão cósmico, mas em uma coreografia quase aleatória.
Um barista, com um terno que parecia ter sido arrancado de um cenário do século XIX e uma gravata borboleta que piscava com cada movimento, saudou-a com um sorriso enigmático. Seus olhos eram de um azul profundo, como se contivessem o próprio oceano dentro deles.

— Bem-vinda ao Café dos Relógios — disse ele, sua voz carregada com uma sonoridade de sinos distantes. — Em que posso ajudar-lhe hoje?

Ela olhou ao redor, sentindo-se ao mesmo tempo fascinada e deslocada.

— Eu… eu ouvi falar deste lugar como um refúgio para aqueles que buscam entender o tempo — disse ela, hesitando.

O barista inclinou a cabeça de um lado para o outro, como se estivesse pensando.

— O tempo é uma tapeçaria tecida de memórias e expectativas. O que você procura pode estar escondido entre os fios que você ainda não examinou.

Ele a conduziu a uma mesa perto da janela, onde um velho relógio de parede pendia, marcando um tempo que não correspondia a nenhuma hora conhecida. O café servia uma bebida quente e dourada que parecia envolver o paladar com uma sensação de reconfortante serenidade.

Ela observou a cidade através da janela, onde as ruas se entrelaçavam em padrões de sonho e a luz das lamparinas criava uma sinfonia de reflexos e sombras. Percebeu que cada canto e cada detalhe eram fragmentos de uma memória coletiva, um labirinto onde as perguntas não eram respondidas, mas transformadas.
O barista se aproximou e, antes de se afastar, disse:

— O tempo aqui não é um mestre severo, mas um companheiro curioso. A resposta que você procura está dentro de você, entre os momentos que você viveu e os que você ainda vai viver.

Ela ficou em silêncio, observando o mundo exterior em sua eterna transição. Percebeu que talvez a resposta não estivesse em um lugar ou em um momento específico, mas sim em como ela via o próprio fluxo do tempo, a interseção entre passado, presente e futuro.

Enquanto tomava seu café e observava os relógios que dançavam e os gatos que passavam, ela entendeu que o Café dos Relógios não era um lugar para encontrar respostas, mas para aprender a fazer as perguntas certas.

E assim, sob o olhar atento das estrelas e o murmúrio dos relógios, encontrou um tipo de paz na aceitação da complexidade do tempo, uma compreensão de que o tempo, assim como a cidade, era um mistério a ser vivido, não resolvido.

Renato Pittas   

Contato:[email protected]

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