O Sorriso da Teia
Em uma pequena cidade, onde todos os dias pareciam pintados pelo mesmo pincel, havia uma praça central que, nos últimos anos, se tornara o epicentro de uma estranha e misteriosa energia. No meio da praça, havia uma fonte antiga, adornada com esculturas de criaturas míticas e rodeada por bancos de madeira onde os moradores costumavam se reunir.
Certo dia, uma nova tendência surgiu entre os jovens: tirar selfies no exato momento em que a água da fonte formava um “x” ao cair. Diziam que, se capturassem esse instante perfeito, seus sorrisos se congelariam na foto e eles se tornariam viral na rede social local. Foi assim que um rapaz de 17 anos, se viu atraído pela magia da fonte.
Esperou pacientemente o momento certo, ajustando o ângulo do celular. No “xis”, o sorriso congelou. A foto estava perfeita. Ele a postou na sua rede social com a hashtag #FonteDoXis. Em poucas horas, a imagem havia viralizado, compartilhada e comentada por todos os cantos e além.
Mas algo estranho começou a acontecer. A cada curtida, a cada compartilhamento, sentia uma parte de si mesmo sendo sugada para dentro da foto. Seu reflexo no espelho se tornava mais fraco, como se estivesse se dissolvendo em pixels.
Tentou apagar a foto, mas era tarde demais. A imagem havia se espalhado tanto que parecia impossível trazê-la de volta. As notificações não paravam, e a cada toque, sentia que seu sorriso congelado na selfie estava se tornando mais real do que ele próprio.
Desesperado, recorreu ao seu melhor amigo, conhecido por suas habilidades tecnológicas. Juntos, começaram a investigar a origem da fonte e da energia que ela emanava. Descobriram antigas lendas que falavam de um espírito aprisionado na água, que se alimentava da vaidade humana para ganhar poder e se libertar.
Elaboraram um plano para libertar o espírito sem causar mais danos. Usariam um feitiço encontrado em um velho livro de magia que pertencia à bisavó de um deles. Precisavam realizar o ritual exatamente à meia-noite, quando a lua cheia refletisse na fonte, criando novamente o “xis” mágico.
Na noite do ritual, tudo parecia estar contra eles. Perfis falsos começaram a surgir na rede, espalhando fake news sobre eles, distorcendo a realidade e criando uma aura de desconfiança em torno deles. As notificações perversas não paravam de chegar, aumentando o peso sobre seus ombros.
Mas eles estavam determinados. Reuniram-se na praça, recitaram as palavras mágicas e jogaram na fonte uma mistura de ervas e água benta. Quando a lua cheia iluminou o “xis”, a água brilhou intensamente e um grito ecoou pela cidade.
O espírito se libertou, e sentiu
ram sua alma voltar ao corpo. A selfie desapareceu de todas as redes, como se nunca tivesse existido. A rede voltou ao normal, e a fonte perdeu seu poder mágico.
A cidade nunca mais foi a mesma. Os moradores, agora cientes do poder e do perigo da vaidade digital, passaram a valorizar mais as conexões reais. Se tornaram influncers locais, heróis que enfrentaram a escuridão da tecnologia com coragem e amizade.
Sempre que alguém passava pela fonte e via o “xis” formado pela água, lembrava-se da história do sorriso congelado, do selfie que viralizou, e da batalha pela alma de deles.
Apesar da aparente calmaria que se seguiu ao ritual, a cidade ainda guardava cicatrizes invisíveis. Embora tenha recuperado sua alma, não conseguia se livrar da sensação de estar sendo observado. Era como se o espírito da fonte, mesmo liberto, tivesse deixado uma sombra em sua vida.
O amigo, agora mais interessado nas artes ocultas, mergulhou nos livros de sua família em busca de respostas. Ele queria entender a verdadeira natureza do espírito que haviam enfrentado. Enquanto isso, ele começou a notar pequenas anomalias ao seu redor. Reflexos nos espelhos que não correspondiam aos seus movimentos, sussurros inaudíveis que pareciam ecoar de seu próprio celular.
Determinados a desmistificar o que realmente acontecera, os amigos decidiram explorar a história da fonte mais a fundo. Consultaram os anciãos da cidade, que lhes contaram lendas esquecidas sobre a construção da fonte. Descobriram que ela havia sido erguida sobre um antigo local de sacrifício, um portal entre o mundo dos vivos e dos mortos. A magia da fonte não era apenas vaidade, mas um elo com forças além da compreensão humana.
Uma noite, enquanto examinavam a fonte com novos olhos, perceberam algo que haviam ignorado antes: pequenas runas esculpidas na base das esculturas. O amigo, com sua recém-adquirida sabedoria em ocultismo, reconheceu-as como um antigo feitiço de contenção. O espírito não havia sido liberto; ele estava selado, enfraquecido, mas ainda presente.
Ele começou a suspeitar que o espírito estava tentando retornar, utilizando a tecnologia moderna como um novo canal de influência. As fake news, perfis falsos e as redes eram, na verdade, manifestações de sua tentativa de corromper e dominar a mente coletiva.
O amigo sugeriu que precisavam de um contrafeitiço, uma maneira de dissipar a energia negativa permanentemente. Juntos, iniciaram uma busca por um artefato capaz de canalizar energia positiva e neutralizar a influência maligna. Encontraram referências a um amuleto, conhecido como o Coração da Luz, escondido nas profundezas de uma antiga caverna fora da cidade.
A jornada até a caverna foi árdua. Enfrentaram provações físicas e espirituais, testando sua coragem e amizade. No coração da caverna, encontraram o amuleto, brilhando com uma luz etérea. Com ele em mãos, retornaram à praça, preparados para o confronto final.
Ao entardecer, posicionaram o amuleto na fonte e recitaram as palavras de purificação. A água da fonte começou a brilhar intensamente, as runas esculpidas na base das esculturas queimaram com uma luz dourada e uma poderosa energia percorreu a praça. O espírito, agora exposto e vulnerável, tentou resistir, mas foi consumido pela luz do amuleto.
Finalmente, a cidade foi libertada da influência maligna. Se tornaram-se cientess da sabedoria oculta, transmitindo as lições aprendidas para futuras gerações. A fonte, embora ainda bela, perdeu seu poder mágico, tornando-se apenas um símbolo de superação e coragem.
Os moradores, agora mais conscientes do equilíbrio entre tecnologia e espiritualidade, passaram a valorizar a verdade e a autenticidade em suas vidas digitais. O “xis” na fonte continuava a formar-se, mas era apenas um reflexo da água, sem segredos sombrios, apenas a lembrança de uma história de amizade, luta e libertação.
Mesmo após a épica batalha contra o espírito da fonte, a vida voltou ao seu ritmo peculiarmente mundano. Eles agora heróis locais, viram suas aventuras desmoronar em uma torrente de banalidades cotidianas. Eles ainda eram lembrados pela épica batalha contra a força do mal digital, mas para a maioria dos moradores, isso tudo rapidamente se tornou mais uma história para contar nos bares e nas feiras.
As Redes, por sua vez, pareciam ter aprendido nada com os eventos. Perfis falsos, fake news e selfies excessivamente editadas continuaram a dominar a plataforma. Parecia que, apesar de toda a mística que cercava a fonte, o verdadeiro espírito de vaidade e superficialidade humana era impossível de erradicar.
Uma tarde, enquanto tomavam sorvete na praça, notaram uma nova tendência emergir: os moradores agora competiam para tirar selfies não com o “xis” da fonte, mas com uma nova escultura moderna ridiculamente chamativa que fora instalada no meio da praça. A escultura, feita de metal brilhante e luzes piscantes, era chamada de “O Emblema do Futuro”. Na verdade, parecia mais uma antena de Wi-Fi gigante.
“Você já viu algo tão ridículo?” riu, apontando para um grupo de adolescentes que posavam dramaticamente em frente à escultura.
“Honestamente, depois de tudo o que passamos, nada mais me surpreende,” respondeu o amigo, mordendo seu sorvete.
A escultura, como era de se esperar, logo se tornou viral, com a hashtag #FuturoFabuloso. Os moradores locais, em uma tentativa desesperada de se manterem relevantes e modernos, começaram a fazer filas intermináveis para tirar selfies com o Emblema.
Assistiam a essa nova moda com um misto de diversão e descrença. Afinal, tinham enfrentado um espírito milenar, quase perdido suas almas, e agora… tudo voltara a girar em torno de selfies e hashtags.
“Você acha que a escultura tem algum poder mágico também?” Matheus perguntou, brincando.
“Claro, tem o poder de fazer qualquer um parecer um idiota,” o amigo respondeu com um sorriso malicioso.
E assim, a cidade de seguiu adiante. continuaram suas vidas, observando a humanidade seguir seu caminho cômico, onde a busca por relevância nas redes sociais parecia superar qualquer lição aprendida. O verdadeiro espírito, ao que parecia, era a habilidade inata de transformar qualquer situação séria em uma oportunidade para tirar sarro de si mesmos.
Talvez essa fosse a verdadeira magia da cidade: uma dose saudável de humor diante das bizarrices da vida moderna.
Renato Pittas:
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