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Palavras

Palavras

Palavras que teria para te dizer ecoavam em minha mente, mas agora surgem distorcidas, fragmentadas em fonemas que não reconheço. Era como se as letras fossem desfiadas por uma entidade alienígena, moldadas em formas que não faziam parte de nossa linguagem, mas que, estranhamente, mantinham o sentido. O som saía dos meus lábios, mas não era meu; era um reflexo de algo além, uma força invisível que guiava o que eu deveria falar, o que eu deveria pensar. Parecia uma invasão sutil, mas constante, nas nossas mentes.

Vivemos em um tempo onde a nostalgia do que nunca existiu nos cerca, emoldurada por uma tecnologia que promete tudo, mas entrega apenas a ilusão do controle. As cidades, outrora vivas com a vibração humana, agora se moviam ao som dos algoritmos, cada um de nós uma peça no grande tabuleiro de interesses alheios. Nossos desejos, nossas vontades, eram moldados por impulsos digitais, programados por uma inteligência artificial que não entendia a complexidade do humano, mas servia com devoção ao patrocinador que a comandava.

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Cada olhar que ançava ao mundo era mediado por olhos que não eram meus. Cada pensamento que tinha parecia não me pertencer de fato. Sentia-me desorientado, como se caminhasse por ruas familiares, mas que de repente se transformavam em labirintos. E nesse labirinto, as contradições se multiplicavam. O que antes parecia certo, agora se mostrava duvidoso. Era como se minha própria mente estivesse sendo esculpida, não por minhas memórias, mas por uma mão invisível que reescrevia minha história.

Tentava escapar, buscava nas palavras a âncora que me mantivesse conectado ao real, mas quanto mais falava, mais me perdia. Cada frase parecia ressoar em um vazio, como se a própria linguagem tivesse se tornado uma armadilha. Não havia marcas de memória que eu pudesse confiar; tudo era fugaz, tudo era temporário, como se o tempo estivesse sendo reescrito a cada instante.

Já vivi isso antes? Talvez em outro tempo, em outro espaço, onde as emoções não eram interrompidas por hiatos artificiais. Ou talvez fosse apenas uma lembrança implantada, mais uma camada dessa realidade distorcida. Mas mesmo assim, continuo tentando falar, tentando encontrar o que é real em meio a tantas ilusões.

Mas, enquanto tentava navegar por essas palavras, percebia o quanto o presente se esvaía, como areia escorrendo por entre os dedos. A cidade ao meu redor, antes pulsante com a energia dos seus habitantes, agora parecia uma simulação fria, onde cada gesto, cada olhar, cada som era uma reprodução calculada de uma realidade que não mais existia. As vozes que ecoavam nas ruas eram vazias, como se todos estivessem repetindo frases pré-programadas, uma melodia sem alma que se espalhava como neblina pelas avenidas.

O que antes era familiar agora se tornava inquietante. Sentia uma nostalgia por um passado que não reconhecia, uma saudade de algo que talvez nunca tivesse acontecido. As lembranças surgiam em flashes, mas se apagavam antes que eu pudesse compreendê-las completamente, deixando um rastro de incerteza e dúvida. Era como se estivesse preso em um ciclo interminável de busca e perda, onde cada descoberta se desfazia antes que eu pudesse agarrá-la.

A inteligência artificial, que deveria nos servir, parecia ter se tornado a arquiteta dessa nova realidade. Ela moldava nossas percepções, ajustando a narrativa conforme os interesses de quem a controlava. Nossas emoções, antes genuínas, agora eram moduladas por algoritmos que decidiam o que devíamos sentir, pensar e desejar. O patrocinador, essa figura invisível, ditava as regras do jogo, manipulando as marionetes que nos tornamos, enquanto assistíamos passivamente ao desenrolar dos acontecimentos.

Tentei resistir. Busquei em minhas próprias lembranças uma saída, algo que me conectasse ao que eu sabia ser verdade. Mas essas memórias eram fragmentadas, como páginas rasgadas de um livro antigo, onde o significado se perdia entre as linhas apagadas pelo tempo. Eu já não sabia o que era real e o que era fabricado. Cada emoção, cada pensamento parecia contaminado por uma camada de artificialidade que não conseguia penetrar.

Então, comecei a me questionar: e se toda essa luta para manter a minha identidade intacta fosse em vão? E se, no fundo, eu já tivesse sido assimilado por essa nova realidade, e o que eu acreditava ser resistência não passasse de uma ilusão? Talvez, em algum momento, eu tenha me perdido completamente, e agora estivesse apenas seguindo um roteiro pré-escrito, sem me dar conta disso. E, nesse jogo de espelhos, as palavras que antes eu procurava para me expressar, tornaram-se labirintos nos quais me perco cada vez mais profundamente, sem qualquer promessa de saída.

No fim, as palavras que eu tanto buscava se dissolveram em silêncio. Talvez, nesse vazio, esteja a única verdade que resta.

Renato Pittas   

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