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Radio Gaga

Radio Gaga

Uma cidade em expansão vertiginosa, entre bondes e edifícios que começavam a desenhar um futuro de concreto, vivia um homem comum, mas com uma mente extraordinária. Seu dia a dia era uma rotina meticulosa de trabalhar em uma repartição pública e de noites solitárias em seu pequeno apartamento. O rádio era sua única companhia, enchendo o espaço com notícias e músicas que pareciam distantes, quase irreais. Mas, certo dia, algo mudou.
Começou a perceber uma presença estranha nas transmissões, como se algo mais estivesse sendo transmitido além das ondas sonoras. Sentia, mas não conseguia explicar, que havia uma corrente oculta, uma espécie de metaverso invisível, que permeava as ondas eletromagnéticas.Mergulhou em um delírio alucinado, convencido de que estava sendo guiado por um novo tipo de conhecimento, algo além da compreensão humana comum, algo que escapava ao controle dos cientistas e seus algoritmos.
Era como se o rádio, aquela caixa de madeira e válvulas, fosse uma janela para um outro mundo. As vozes, antes monótonas, agora sussurravam segredos, propostas de fantasias eletrônicas, que pareciam promessas de um futuro brilhante. Acreditava estar à beira de um grande avanço, onde cada som, cada estática, carregava um significado profundo e místico.
No entanto, à medida que mergulhava mais fundo, o mundo ao seu redor começou a desmoronar. O que antes era óbvio se tornou confuso. O sentido que atribuía às palavras e às músicas do rádio se dissipava como fumaça. Começou a enxergar as figuras públicas, antes admiradas, como meras marionetes de um espetáculo vulgar. Personalidades eram erigidas e destruídas em um ciclo interminável de luxúria midiática. Os influencers, seres de carne e osso, se tornavam ídolos efêmeros, vendidos ao culto de uma celebridade momentânea, sem substância, sem essência.

Via os demônios que habitavam esses corpos, criaturas nefastas que, ao invés de inspirar, espalhavam a desesperança. A sociedade, antes firme em suas crenças, agora parecia fragmentada, desmoronando sob o peso das promessas vazias de um futuro digitalizado. Ele enxergava, em seu delírio, que esses algoritmos, essas máquinas de calcular, eram os verdadeiros arquitetos desse caos, manipulando mentes, criando um culto de personalidades, ofertando bens intangíveis, enquanto o verdadeiro conhecimento era relegado ao esquecimento.
O pânico moral se espalhava como uma epidemia, e, antes tão certo de seu papel nesse novo mundo, agora se via perdido em um labirinto de expectativas inatingíveis. O metaverso que ele acreditava ter descoberto não era uma porta para a verdade, mas um espelho distorcido, refletindo as intenções daqueles que criavam e manipulavam as regras desse jogo insano.
Assim,se viu só, cercado por fantasmas de uma cultura que ele já não reconhecia. A esperança, se é que ainda existia, era uma chama fraca, prestes a se extinguir. Ele se perguntava, em meio a essa névoa de ilusões, se algum sentido real poderia ser encontrado. Mas, no fundo, ele sabia a resposta: nada mais óbvio que um ledo engano.

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Os dias se arrastavam em uma repetição desconcertante. A cada manhã, ele acordava com a sensação de que algo se perdera para sempre. As ruas, antes vibrantes, agora pareciam envoltas em uma névoa densa e opressiva, como se a cidade inteira estivesse sendo engolida por uma escuridão invisível.
Começou a evitar o contato com os outros. No trabalho, mal trocava palavras com os colegas, apenas o mínimo necessário para manter as aparências. Os encontros ocasionais com conhecidos eram breves e marcados por uma inquietação palpável. Sentia que ninguém mais compartilhava de sua visão, que todos estavam cegos pela banalidade do cotidiano, enquanto ele carregava o fardo de uma verdade impossível de expressar.
As noites eram as piores. Sozinho em seu apartamento, se sentava diante do rádio, agora convertido em um altar pessoal, esperando que as ondas invisíveis lhe trouxessem alguma revelação. Mas tudo que vinha eram sons fragmentados, distorções que alimentavam ainda mais sua confusão. As vozes, antes sedutoras, tornaram-se ameaçadoras, carregadas de uma malevolência oculta. Começou a ter pesadelos recorrentes, visões de um futuro desolado onde a humanidade, perdida nas teias do metaverso, se tornava escrava de seus próprios desejos fabricados.
Certo dia, ao caminhar pelas ruas do centro, foi atraído por um grupo de pessoas reunidas em torno de uma vitrine. O que ele viu o perturbou profundamente. Era uma demonstração de uma nova tecnologia, um protótipo de televisão, uma tela que prometia transportar o espectador para outro mundo. O vendedor, empolgado, exaltava as virtudes do aparelho, descrevendo como ele conectaria as pessoas a eventos distantes, trazendo o mundo inteiro para dentro de suas casas.

Para ele, aquilo era a materialização de seus piores temores. O metaverso, antes confinado às ondas de rádio, agora tomava forma física, expandindo sua influência. Via nas telas brilhantes o futuro que havia temido: um mundo onde a realidade se dissolvia, substituída por imagens e sons projetados por máquinas, onde o significado era ditado por algoritmos sem alma, e a autenticidade se tornava uma relíquia do passado.
Desesperado, Começou a procurar respostas nos lugares mais inesperados. Frequentou reuniões de intelectuais, onde discutiam filosofia e o futuro da humanidade, mas tudo lhe parecia vazio, meros exercícios de vaidade. Visitou cartomantes e médiuns, tentando encontrar algum vislumbre de verdade nas artes ocultas, mas tudo o que encontrou foram charlatões, aproveitadores do desespero alheio.
Aos poucos, começou a perder o controle sobre sua própria mente. As fronteiras entre o real e o imaginário se desfaziam. Ele começou a duvidar de tudo e de todos, inclusive de si mesmo. As ruas, antes familiares, tornaram-se um labirinto de sombras e reflexos distorcidos. As pessoas que encontrava pareciam caricaturas grotescas, suas faces torcidas em sorrisos que não correspondiam ao vazio em seus olhos.
Uma noite, ao retornar ao seu apartamento, Sentiu uma presença incomum. A luz do corredor estava apagada, e o silêncio era absoluto, pesado, como se o tempo tivesse parado. Quando abriu a porta, o rádio, que ele havia deixado desligado, estava ligado, emitindo um chiado constante, intercalado por fragmentos de uma transmissão que ele não reconhecia.

Com o coração batendo descompassado, ele se aproximou do aparelho. As palavras que saíam do alto-falante eram desconexas, mas carregavam um tom de urgência. “Cuidado… Eles estão… Você não pode…”. Sentiu um calafrio percorrer sua espinha. Aquilo não era mais um delírio, era uma advertência, uma última tentativa de se proteger daquilo que ele mesmo havia desencadeado.
Tentou desligar o rádio, mas o botão de volume parecia travado, como se uma força invisível o mantivesse ligado. As vozes se intensificaram, se sobrepondo em um caos crescente. Caiu de joelhos, as mãos cobrindo os ouvidos, mas nada adiantava. As palavras invadiam sua mente, impregnando-a com imagens de um futuro sombrio e inescapável.
No auge do desespero, Fez algo que jamais havia feito antes. Em um impulso irracional, ele tomou o rádio e o arremessou contra a parede. O aparelho se despedaçou, seus componentes internos espalhando-se pelo chão. O som cessou instantaneamente, e um silêncio sepulcral tomou conta do ambiente.

Ficou parado, ofegante, encarando os destroços. Por um breve momento, ele sentiu uma estranha paz, como se finalmente tivesse escapado de uma prisão invisível. Mas essa paz durou pouco. Aos poucos, ele percebeu que nada havia mudado. O metaverso, com suas promessas vazias e ilusões perigosas, ainda estava lá, permeando o mundo, manipulando mentes e corações.
Exausto e derrotado, Se deixou cair no chão. Sabia que, por mais que tentasse, jamais poderia escapar da influência insidiosa daquela nova realidade. Assim, no silêncio de seu apartamento, ele compreendeu a verdade mais dolorosa de todas: não havia saída. O metaverso, essa criação monstruosa, não era algo que pudesse ser destruído. Ele estava entranhado na própria essência do mundo, um vírus que corrompia tudo o que tocava.

Naquele momento, percebeu que sua luta havia sido em vão. O futuro já estava escrito, e ele, como tantos outros, era apenas uma peça insignificante em um jogo muito maior. O rádio, a televisão, os algoritmos, todos eram manifestações de uma força que ele jamais poderia compreender ou derrotar.
Com esse pensamento, fechou os olhos e, pela primeira vez em muito tempo, deixou-se levar. Não havia mais resistência, nem medo, apenas a aceitação de que, no final, ele era apenas mais uma vítima de um mundo que havia perdido seu rumo, entregue às promessas vazias de um futuro que nunca chegaria.
E assim, desapareceu, engolido pelo silêncio de uma cidade que continuava a crescer, indiferente ao destino de seus habitantes, perdida em sua própria busca por um sentido que, talvez, nunca fosse encontrado.
O apartamento permaneceu vazio por dias, sem que ninguém percebesse sua ausência. A cidade, sempre em movimento, continuava sua marcha implacável para o futuro, enquanto ele, agora uma lembrança desvanecida, era rapidamente esquecido.

Algumas semanas depois, a senhoria, estranhando a falta de pagamento do aluguel, resolveu entrar no apartamento. O cheiro de mofo e a penumbra que dominava o lugar criavam uma atmosfera opressiva. Ela encontrou o rádio destruído no canto, os destroços ainda espalhados pelo chão, mas dele não havia sinal algum.
O caso foi tratado como mais uma das muitas histórias inexplicáveis que circulavam pela cidade. Alguns disseram que ele havia enlouquecido e fugido para o interior, outros acreditavam que simplesmente desistira da vida e se perdera nas ruas, mas ninguém sabia ao certo. A verdade é que, na confusão e na correria da vida moderna, poucos realmente se importaram.
Com o tempo, se tornou uma espécie de lenda urbana, um nome mencionado ocasionalmente em conversas sobre o perigo de se perder nas próprias ilusões. Alguns jovens, fascinados pelo mistério, criaram teorias sobre o que realmente aconteceu, falando de conspirações e dimensões paralelas, mas a maioria seguia com suas vidas, desconectada da realidade, entregando-se aos prazeres fugazes das novas tecnologias que inundavam o mercado.

Enquanto isso, a cidade crescia. Novos edifícios subiam, o trânsito se tornava mais caótico, e as telas brilhantes da televisão e do cinema agora dominavam as salas de estar, trazendo consigo um fluxo interminável de imagens e sons que prometiam entretenimento, mas entregavam apenas mais vazio.
E o metaverso, aquele conceito abstrato que tanto perturbara-o, expandia sua influência. As pessoas, cada vez mais absorvidas pelas novas formas de mídia, começaram a perder o contato com o mundo real. A natureza humana, antes sólida e palpável, se dissolvia em uma miríade de identidades virtuais, onde o sentido de propósito e comunidade se diluía em uma busca interminável por aprovação e fama efêmera.
No final, o mundo que ele temia havia se materializado, mas sem que ninguém realmente notasse. O que era apenas um delírio alucinado se tornou a realidade aceita, uma realidade onde a autenticidade se tornou um luxo raro, e o sentido da existência se perdeu entre pixels e algoritmos.

Assim, em uma cidade que nunca dormia, a história delw se tornou mais um eco distante, uma advertência esquecida em um mundo que já não se importava em ouvir. O rádio permaneceu em pedaços, um símbolo silencioso de uma mente que tentou resistir à maré, mas que, no final, foi engolida pelo vazio.

Renato Pittas   

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