Surto
Estava acostumado às rotinas monótonas da cidade, uma metrópole onde o real e o virtual se misturavam em uma simbiose quase imperceptível. Mas naquele dia, ao parar na banca nanica, algo diferente chamou sua atenção. Não era apenas mais um pasquim qualquer, mas uma publicação quase esquecida, coberta por uma fina camada de poeira digital, que de alguma forma resistia às atualizações automáticas e ao fluxo constante de informações manipuladas.
Ao abrir a primeira página, sentiu um arrepio na espinha, como se estivesse prestes a descobrir algo que não deveria. As palavras saltavam da folha, registrando um tempo que ele mal reconhecia, cheio de crenças esquecidas e surpresas que pareciam desafiar a lógica. A ironia de tudo aquilo era quase poética, mas havia algo mais profundo, uma espécie de código, um erro de lógica que permeava as frases, sugerindo que o conteúdo ia além do simples absurdo.
De repente, o mundo ao seu redor começou a se distorcer. A banca transformou-se em um espaço virtual, as páginas do pasquim eram apenas a fachada de um portal para outra dimensão, onde os absurdos ganhavam forma e vida. Se viu cercado por fadas anoréxicas, criaturas sem capacidade de encantamento, dançando ao som de um groove de teclado surreal, enquanto sombras de mitos pop e figuras underground flutuavam ao seu redor.
Sentindo-se cada vez mais desconectado da realidade, Percebeu que o pasquim era mais do que uma simples leitura; era uma chave para uma compreensão diferente do mundo, onde o controle estava fora de seu alcance. Emoções baratas e perigos virtuais se entrelaçavam, escapando das defesas do firewall que ele sempre confiou, levando-o a questionar tudo o que sabia.
As palavras finais do artigo, “i will survive”, ecoaram em sua mente enquanto ele tentava se agarrar à sua sanidade. Mas antes que pudesse encontrar uma saída, o cenário mudou novamente. Ele estava agora em uma cozinha vintage, cercado por uma geladeira rosa bebê cheia de imãs, representando um tempo em que as coisas eram mais simples, ou pelo menos assim pareciam.
O que restava era um sentimento de desorientação, como se a realidade tivesse se tornado fluida, moldada por forças além de sua compreensão. A busca por sentido, por um gol que nunca acontecia, parecia tão fútil quanto tentar controlar os absurdos que o cercavam. Tudo o que ele podia fazer era seguir em frente, navegando entre as ilusões, cercado por figuras oníricas que eram, ao mesmo tempo, assustadoramente familiares e estranhamente alienígenas.
E assim, sem conclusão, ele continuava, esperando que, em algum lugar entre o virtual e o real, pudesse encontrar uma resposta.
Se deixou levar pelo ritmo daquelas sensações estranhas, como se estivesse navegando em um mar de confusão digital. Cada passo que dava, cada movimento que fazia parecia distorcer o espaço ao seu redor, como se estivesse sendo observado por uma força invisível que manipulava o tempo e o espaço à sua vontade. Olhou em volta, tentando reconhecer algo familiar, mas a cozinha vintage se transformava em fragmentos de memórias desconexas, pedaços de uma vida que ele não lembrava de ter vivido.
As fadas anoréxicas começaram a sussurrar palavras em línguas estranhas, uma cacofonia de vozes que se sobrepunham, formando uma melodia inquietante. Sentia que havia um padrão ali, algo que ele deveria entender, mas cada vez que tentava focar em uma palavra, ela escapava, se transformando em outra coisa, uma verdade distorcida que estava além de seu alcance.
De repente, a cozinha desapareceu, dando lugar a um corredor infinito, iluminado apenas por pequenas luzes de neon piscando. As paredes eram cobertas por grafites de ninfas gregas, desenhadas de forma provocativa, como se estivessem em uma dança erótica eterna. Havia algo de hipnótico naquele cenário, uma mistura de pornografia e arte que o deixava desconfortável, mas ao mesmo tempo, incapaz de desviar o olhar.
O som de teclas sendo digitadas ecoava no corredor, percebeu que estava cercado por hologramas de figuras pop, ícones de uma era passada, que discutiam entre si sobre a natureza da realidade. Falavam de tempos em que a crença ainda era possível, antes que o cinismo e a descrença tomassem conta do mundo. Cada holograma parecia ter uma opinião diferente, e suas discussões se misturavam, criando uma atmosfera caótica e surreal.
Tentou interagir com eles, mas sua voz era abafada, como se estivesse gritando debaixo d’água. O corredor parecia se estender infinitamente, e ele começou a se perguntar se havia alguma saída daquele labirinto de pensamentos e imagens. A sensação de isolamento crescia, junto com a percepção de que ele estava preso em uma espécie de loop temporal, onde tudo se repetia, mas com pequenas variações que faziam toda a diferença.
A sensação de desesperança começou a se infiltrar em sua mente. Ele pensou em desistir, em se deixar levar pelo absurdo da situação, mas algo dentro dele se recusava a ceder. Talvez fosse a memória de uma vida que ele mal conseguia lembrar, um instinto de sobrevivência que o empurrava para continuar.
Finalmente, no fim do corredor, ele avistou uma luz. Era fraca, mas real. Ele começou a correr, determinado a alcançá-la, mas a cada passo que dava, a luz parecia se afastar, como se estivesse brincando com ele. Mesmo assim, ele continuou, sua mente focada naquele único ponto de referência.
E então, quando estava prestes a alcançar a luz, o chão sob seus pés desapareceu. Caiu em um vazio escuro, sem fim, seu corpo girando e se contorcendo enquanto o mundo ao seu redor se desintegrava. As vozes das fadas, dos hologramas, das figuras mitológicas se misturavam em um grito único, um lamento que parecia ressoar na própria essência do universo.
No fundo daquele abismo, ele viu algo. Não era uma saída, mas uma espécie de espelho, refletindo uma imagem distorcida dele mesmo. Se aproximou, estendendo a mão, tentando tocar aquela versão de si mesmo, mas o espelho se quebrou em mil pedaços, espalhando-se no vazio.
E continuava caindo, sem saber onde ou quando, apenas com a sensação de que estava preso em uma realidade que não fazia sentido, um loop infinito de absurdos e ilusões, onde cada tentativa de entender o mundo o levava a uma nova camada de caos.
Enquanto caía naquele abismo sem fim, uma sensação de resignação começou a tomar conta dele. Talvez não houvesse realmente uma saída, apenas uma série infinita de espelhos quebrados refletindo suas dúvidas e incertezas. O que antes era uma busca por sentido agora se dissolvia em aceitação, um entendimento silencioso de que nem tudo precisa ter uma explicação ou um propósito.
No meio dessa queda interminável, as vozes que o atormentavam começaram a desaparecer, uma a uma, como se estivessem se distanciando ou se desintegrando no vazio. As fadas anoréxicas, as figuras pop, as ninfas gregas, tudo começou a se desvanecer, deixando-o sozinho com seus próprios pensamentos. O vazio, que antes parecia assustador, agora se tornava uma tela em branco, pronta para ser preenchida com qualquer coisa que ele escolhesse imaginar.
E então, do nada, ele sentiu algo sólido sob seus pés. A queda havia parado. Leo olhou em volta e percebeu que estava de volta ao ponto de partida, na frente da banca nanica, o pasquim ainda em suas mãos, mas agora em branco, todas as palavras e imagens desaparecidas, como se nunca tivessem existido.
O mundo ao seu redor estava quieto, quase sereno. A cacofonia de vozes, as distorções da realidade, tudo havia desaparecido. Ele respirou fundo, sentindo o ar fresco entrar em seus pulmões, e percebeu que, por mais confusa e caótica que sua jornada tivesse sido, algo dentro dele havia mudado.
Colocou o pasquim de volta na banca, sem olhar para trás, e começou a caminhar. Cada passo que dava, sentia a solidez do chão sob seus pés, uma sensação de presença que antes não havia percebido. O mundo, com todas as suas contradições e absurdos, continuava ao seu redor, mas agora ele sabia que não precisava entender tudo para continuar vivendo. Havia uma certa beleza no desconhecido, no inexplicável, e ele estava pronto para aceitá-la.
Enquanto se afastava, o som suave de um teclado tocando um groove distante chegou aos seus ouvidos, um lembrete sutil de que o absurdo faz parte da vida, mas que ele tinha o poder de escolher como responder a ele. E assim, com um sorriso leve nos lábios, seguiu em frente, em direção ao desconhecido, com a certeza de que, não importa o que aconteça, ele sobreviveria.
Renato Pittas
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